Topo

Pobres não podem ser vistos só como dependentes de caridade

Especial para o UOL

30/05/2015 06h00

Hoje, uma relevante parcela da população brasileira vive uma vida terceirizada. As pessoas terceirizam a alimentação para o fast food, a roupa para a lavanderia, a documentação para o despachante, a entrega ao motoboy, o cachorro ao passeador, a educação dos filhos para a escola, a limpeza para a empregada.

No Brasil, mais de 11 milhões de pessoas vivem em favelas de acordo com o IBGE. O frio do inverno que chega invade as frestas dos barracos país afora e as pessoas que moram neles não podem terceirizar seus problemas. Nem a manutenção da casa, a alimentação ou a educação dos filhos.

Estão sempre muito ocupados cuidando daquilo que não é seu (e nem será). Do jardim do outro, da entrega do outro, dos filhos dos outros. Ou ainda estão presos no trajeto de duas horas até o trabalho. Enquanto isso, o ciclo da pobreza se perpetua pelas periferias que não têm acesso a educação, saúde, transporte, infraestrutura ou lazer minimamente adequados.

A situação de pobreza no Brasil é um problema que não pode ser terceirizado. Como sociedade desenvolvida que queremos ser, precisamos agora tomar essa questão pelas mãos e trabalhar ativamente para resolvê-la. Mesmo que a redução da pobreza tenha avançado na última década, ainda é preciso ter um olhar integral sobre as condições de vida dessas pessoas. São milhões de pessoas dormindo sem ter a certeza de como será o dia seguinte.

De acordo com o relatório mais recente da Cepal, a taxa de redução da pobreza não evoluiu significativamente no país entre 2012 e 2013 e a taxa de pessoas vivendo em extrema pobreza aumentou de 5,4% para 5,9%. A desaceleração do mercado de trabalho e o aumento no preço dos alimentos atinge diretamente os mais pobres. Portanto, enquanto ainda houver uma única família vivendo em condições precárias, todos nós, como sociedade, temos uma tarefa pendente.

É urgente unir o urbano dividido: centro e periferia, morro e asfalto. O Brasil é um só. É preciso que se considerem as favelas como parte integrante de nossas cidades ao invés mantê-las em permanente estado de exclusão. É necessário enxergar e se apoiar na força de vontade e disposição dos moradores dessas comunidades como parte da solução.

Para resolver o problema não se precisa de caridade, mas sim construir dignidade. Enquanto aqueles que vivem em situação de pobreza forem considerados meros beneficiários, não alcançaremos uma solução real. Para que o próximo passo no combate à pobreza seja dado no Brasil, é preciso que as políticas sociais sejam revisadas para permitir o fortalecimento da organização comunitária e o empoderamento dos moradores de assentamentos, especialmente mulheres e jovens.

A experiência vivida pelos voluntários da ONG Teto, que realizam um trabalho contínuo nas comunidades, mostra que há muito potencial de transformação que hoje não está sendo levado em conta nos espaços de tomada de decisão. E que é possível alcançar grandes resultados através do trabalho conjunto, lado a lado.

São soluções habitacionais, hortas comunitárias, revitalização de espaços e outras iniciativas que estão melhorando efetivamente a qualidade de vida dos moradores. E são eles mesmos, junto com voluntários, que estão sendo protagonistas dessa mudança.

Na semana passada, dois grandes eventos mostraram esse lado da história em grande escala. Cem líderes comunitários de toda América Latina, incluindo cinco brasileiros, participaram de um encontro no México para discutir os problemas que enfrentam em suas comunidades e propor soluções mais efetivas para melhorar a qualidade de vida de todos os moradores. 

Ao mesmo tempo, mais de 7 mil jovens decidiram agir e se inscreveram para participar como voluntários da ação "Teto Coleta". Nos dias 22, 23 e 24 de maio eles estiveram nas esquinas de São Paulo, ABC, Campinas, Rio de Janeiro, Salvador e Curitiba contando para pedestres e motoristas sobre a condição de pobreza das favelas do país e sobre a perspectiva de soluções quando se decide assumir a responsabilidade sobre nossas vidas e nossa sociedade.

A chave da mudança está nas atitudes que tomamos todos os dias e o quanto nos comprometemos com a construção de uma sociedade mais justa e sem pobreza. Você pode continuar terceirizando os problemas. Ou escolher fazer parte da solução.

  • O texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL
  • Para enviar seu artigo, escreva para uolopiniao@uol.com.br