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Um Judiciário plural pauta decisões pela lei e não por valores

Especial para o UOL

21/06/2015 06h00

A resolução que institui cotas raciais nos concursos para servidores e juízes dos tribunais brasileiros, aprovada recentemente pelo Conselho Nacional de Justiça, irá impactar positivamente dois ideários da administração da Justiça: a confiabilidade e a qualidade.

Tendo em vista as óbvias e graves implicações das decisões judiciais para a vida em sociedade, a preocupação com a confiabilidade sempre ocupou lugar central na organização do Judiciário, e se traduz, entre outras, na garantia de que decisões individuais sejam revistas e ponderadas por órgãos colegiados.

Não obstante, no passado recente um órgão colegiado do Tribunal de Justiça de São Paulo proclamou uma decisão que embora seja excepcional, não pode ser ignorada inclusive como ilustração da falibilidade desses órgãos.

Nos anos noventa, a 12ª Câmara do então Tribunal de Alçada Criminal confirmou uma sentença condenatória na qual a vítima recordava-se tão somente que um dos assaltantes era negro. O tribunal concluiu que a cor da pele seria elemento suficiente para manter a condenação: “A afirmação da vítima de não encontrar condições para reconhecer os agentes não conflita com a afirmação de ser um deles de cor negra e reconhecê-lo, já que o reconhecimento se dá pela segura memorização visual de diversos traços característicos de uma pessoa, ou de um somente, a cor” (Apelação 753.603/3, julgada em 21/09/1992).

Abstraindo-se as várias considerações ensejadas por um julgamento desse teor, é possível afirmar que se a composição desse colegiado fosse multiétnica, as chances de uma condenação como essa seriam substantivamente menores.

Ademais, a título de comparação, pesquisas quantitativas e qualitativas sobre o impacto da diversidade racial na gestão de empresas comprovam que ela melhora a eficiência, a produtividade e lucratividade.

Não é difícil entender esse fenômeno. Uma das marcas deste início de século 21, diria Norberto Bobbio, é a emergência de um novo perfil de sujeito de direitos, cujo protótipo não mais circunscreve-se ao homem branco, adulto, não-portador de deficiências, titular de “carteira assinada”, mas que inclui os indivíduos considerados em suas identidades coletivas, sejam elas determinadas pela crença (ou descrença) religiosa, idade, orientação sexual, deficiências, sexo, raça/etnia etc.

Não por acaso, nos últimos anos o Judiciário brasileiro vem sendo fustigado por debates extremamente complexos e caros à democracia, a exemplo da liberdade de expressão, liberdade de crença, pesquisas em células tronco, união homoafetiva, ações afirmativas, cirurgias de mudança de sexo, dentre tantos outros.

A noção de cidadão plural, subjacente a esaas demandas, desafia radicalmente a árdua tarefa de interpretar normas e fatos, forçando os juízes a sintonizarem-se com as mutações sociais, ideológicas e as novas dimensões de direitos e de cidadania que caracterizam as sociedades democráticas na atualidade.

Quanto mais plural a composição do Judiciário, mais apto ele estará para responder eficazmente esses desafios, pautando suas decisões pela lei e não por valores, como acontece vez por outra.

A diferença entre julgar de acordo com valores/credos pessoais e julgar de acordo com a lei, é que valores podem ser positivos apenas para uma parte da sociedade, ao passo que a lei teoricamente é boa para toda a coletividade.

É nesse contexto que deve ser aplaudida a deliberação do CNJ sobre cotas raciais, mesmo porque as cotas são apenas um dos instrumentos que a resolução contém, lembrando que elas não esgotam as muitas iniciativas que podem ser tomadas nesaa seara. Ponto para democracia e o Estado democrático de direito. 

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