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Encíclica traz luz para questão moral da preservação ambiental

Especial para o UOL

23/06/2015 06h00

Há alguns anos estive na cidade de Xinguara, interior do Pará. Fui lá para conversar com Henri Riziers, um frei francês octagenário que desembarcou por essas terras há mais de 30 anos.

Ao final de nosso encontro de mais de duas horas, ouvi dele a seguinte frase: “Onde não há respeito à natureza humana, meu filho, não há respeito à nenhuma outra natureza”. Segundo a encíclica lançada nesta quinta pelo papa Francisco, Frei Henri acertou em cheio.

O texto do papa Francisco é a primeira encíclica dedicada ao meio ambiente da história da igreja católica. Por definição, encíclica é um texto com o qual se dá as diretrizes sobre determinado assunto aos bispos e demais membros da igreja.

Mas esta carta é endereçada “a todas as pessoas de boa vontade” e traz recados claros e certeiros sobre a necessidade de união e de mais ação no combate ao aquecimento global, bem como lança luz sobre a questão moral e humana da preservação ambiental.

O texto vem a público meses antes da 21ª conferência do clima da ONU, que acontecerá em Paris no final do ano. Lá, mais de 190 representantes de diversos países se reunirão para tentar um acordo que evite que o planeta esquente para além da conta, ou seja, mais do que 2 graus.

É mais uma chance de solução, e agora os tomadores de decisão lá reunidos terão não apenas as afirmativas dos cientistas, mas também da igreja. O problema é que até agora foram duas décadas de conversas e pouco avanço concreto.

Alguns países não querem assumir compromissos sem que os demais o façam. Outros querem medir de quem é a culpa do passado para saber quem paga a conta do futuro.

Em uma dessas conferências, um delegado da ilha polinésia de Tuvalu afirmou que, se nada fosse feito para deter o aquecimento do planeta, as nove ilhas que compõem seu país iriam desaparecer, e seus cerca de 10 mil habitantes teriam de procurar outro lugar para viver.

Junto com outros pequenos países-ilhas, eles serão engolidos pelo aumento do nível dos oceanos, uma das consequências das mudanças do clima. Mesmo assim as negociações e as ações não avançam o suficiente.

Neste ano ultrapassamos a barreira média de 400 partes de carbono por milhão na atmosfera, o que significa que desde o início das medições nunca existiu tanta concentração de gases que provocam o aquecimento global flutuando sobre nossas cabeças. Tuvalu vê suas chances diminuírem a cada dia.

Se não pararmos de queimar combustíveis fósseis e desmatar florestas, o que vai acontecer, segundo os cientistas, será uma mudança nos mecanismos de funcionamento da Terra. Viveremos em um mundo diferente e teremos que nos adaptar. Lugares com pouca água ficarão ainda mais secos. Os que alagam receberão mais chuvas. Furacões e tornados se tornarão mais frequentes onde já ocorrem.

Um dos impactos mais sentidos será nos processos de produção de alimentos. Eles ficarão mais complicados, o que poderá gerar escassez. Já vivemos em um mundo onde quase 1 bilhão de pessoas passam fome, apesar de produzirmos comida em quantidade suficiente para todos os habitantes do planeta.

A mudança do clima somente agravará essas desigualdades e os problemas já vividos pelas populações mais pobres ao redor do mundo, incluindo na conta países como o Brasil. Em um planeta mais quente, os mais necessitados pagarão a parte mais dolorosa da conta. Não há bolsa-família que dará conta do recado.

Em um dos trechos de seu texto, o papa Francisco clama por soluções urgentes, quando diz que “A falta de reações diante destes dramas dos nossos irmãos e irmãs é um sinal da perda do sentido de responsabilidade pelos nossos semelhantes, sobre o qual se funda toda a sociedade civil”.

O principal desafio ambiental não se resume à proteção da natureza. Já diria Frei Henri. 

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