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Rios de São Paulo continuam vivos e devem ser descobertos

Especial para o UOL

27/06/2015 06h00

Em maio de 2010, numa conversa com o geógrafo Luiz de Campos Jr, fui tocado por uma realidade que me impressionou demais. Luiz me mostrou um desenho feito a mão pelo renomado professor Aziz Ab’Saber nos anos 50 que ilustrava os rios da cidade de São Paulo em sua condição original, ou seja, antes do surpreendente desenvolvimento nos últimos cem anos que redesenhou esse lugar desprezando a sua natureza original e cobriu a presença de centenas de riachos com suas ruas e avenidas entre construções.

Tudo não passaria de uma conversa interessante e sem maiores consequências se não tivesse ouvido uma frase que nunca mais esqueci: rios não morrem. Como? Sim, essa quantidade enorme de pequenos riachos está soterrada, poluída em sua maioria, ignorada pela população, mas estão vivos.

Fomos educados a acreditar que nossos rios não existem mais e os poucos que sobraram estão mortos, pois não é possível a presença da vida em rios que se tornaram esgotos a céu aberto. Mas eles estão vivos sob a cidade e a duzentos metros de qualquer lugar que estivermos podemos cruzar com um curso d’agua enterrado.

A essa altura fui tomado por uma profunda inquietação e proporcional curiosidade. Quero ver isso. Soou uma história inacreditável, bizarra e um tanto exagerada. Podemos fazer uma experiência? Pela minha natureza sensorial, queria checar essa informação de perto, caminhar pela cidade e procurar por essas águas esquecidas.

Combinamos um passeio e partimos do endereço onde moro no Butantã para explorar o entorno como piratas em busca de um tesouro perdido. Para a minha surpresa, numa primeira exploração encontramos indícios da presença de águas a poucos metros de casa.

Rios silenciosos

Uma região da minha vizinhança, na Vila Indiana, por onde circulava há muitos anos, nos chamou atenção pela vegetação mais intensa,  uma região um pouco mais fresca, uma encosta próxima aos muros da Universidade de São Paulo, mas para mim apenas uma área degradada onde o que mais se via eram despejos de entulhos e abandono.

Nos aproximamos desse terreno que estava repleto de taiobas e logo pisamos num solo encharcado. Aqui tem água e muita. Nesse dia, me dei conta que era vizinho das nascentes de um rio que logo o batizamos de Iquiririm , em tupi guarani "rio silencioso".

Naquele mesmo dia, Luiz e eu seguimos as águas do rio Iquiririm, canalizado logo após seu nascedouro, pelas ruas do Butantã até atingir sua foz no rio Pirajussara. Acompanhando o seu percurso, compreendemos a condição real da história da maioria dos rios urbanos da cidade que sofrem as mesmas condições.

Essa pequena e poderosa experiência vivencial foi o marco zero da iniciativa "Rios e Ruas", que criamos para expandir essa nova percepção sobre a cidade a partir do envolvimento dos cidadãos com os rios esquecidos pela cidade.

Desde então, por meio de palestras, debates, entrevistas, publicações, oficinas e principalmente expedições vivenciais pelos rios e riachos de São Paulo, milhares de pessoas estão compreendendo melhor sobre o lugar que vivemos a partir do entendimento das nossas águas.

Descobrir para ver

Queremos descobrir os rios de São Paulo e sabemos que isso é uma longa jornada. Nossa tarefa nesse momento é ajudar a desenterrá-los na consciência das pessoas. Descobrir para ver; ver para querer esses rios limpos e livres, pois sabemos que é impossível querer e cuidar de algo que não vemos. É assim que os grandes movimentos começam e se tornam realidade.

Convidamos todos a enxergar também um novo futuro para São Paulo. Nossa intenção é encontrar formas de conectar as pessoas, os rios e a cidade. E nada melhor que descobrir os rios de São Paulo caminhando pela cidade.

Semanas atrás, a partir de um processo cocriativo chamado Mesa e Cadeira, um grupo de vinte pessoas reuniu seus melhores talentos em comunicação, design, arte e programação para juntos criar um site que permitisse a qualquer pessoa encontrar o rio próximo a sua casa ou trabalho.

O fruto desse encontro de talentos é a plataforma "Cidade azul", que inclui um áudio-guia inédito para qualquer pessoa fazer o percurso de um trecho do Rio Verde a partir de uma de suas nascentes, na estação Vila Madalena. Para isso, basta ter um celular e uma conexão 3G.

Todos os paulistanos são benvindos a fazer parte dessa rede de cidadãos que acreditam no poder transformador de pessoas comuns quando elas se aproximam para agir por uma causa comum. Esse é o nosso jeito de expressar o queremos para São Paulo.

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