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Indústria automobilística passa por momento de 'armagedom'

Especial para o UOL

30/06/2015 06h00

O entrechoque das forças de mercado, mais que salutar e indispensável, resulta sempre em ganhadores e perdedores.

A lei que Charles Darwin desenvolveu no século 19 sobre evolução das espécies, embora não tenha chegado ao “elo perdido”, se aplica como uma luva na atividade-símbolo da indústria de massa e do consumo nos séculos 20 e 21, a indústria automobilística.

No Brasil, sob a visão dos “50 anos em cinco” do presidente JK, tal indústria recebeu uma carga de incentivos fisco-tributários e empréstimos “cristãos” para aqui se estabelecer.

Tudo porque o rodoviarismo se transformou no elemento estratégico de uma efetiva ocupação territorial e uma adequação à crescente, e até hoje incontida, urbanização populacional.

Ainda que se possa atribuir a esses estímulos a característica de necessidade conjuntural face à intromissão da atividade em todo o conjunto da economia, o limite para tanto é seu impacto sobre a tal lei de Darwin.

De que maneira, debaixo dessa temperatura agradavelmente estável, podem os agentes (montadoras e cadeia direta) se mostrarem mais aptos à sobrevivência, uma vez que lhes são concedidos, aqui e acolá, mais endêmica do que esparsamente, o entorpecente do adjutório que os fazem pouco sensíveis à realidade da concorrência?

A indústria automobilística brasileira foi, desde sempre, alvo de algum tipo de incentivo oficial (nosso, de cada contribuinte) e pode estar, finalmente, experimentando seu momento histórico de "armagedon".

Nesse contexto, o Brasil poderá ser o primeiro sítio automotivo mundial aonde certas transformações radicais virão a prevalecer, trazidas por novos e dinâmicos modelos de negócios e pelo impacto da tecnologia da interconectividade, mesmo bem à reboque da massa crítica desta última.

Essa perspectiva, na esfera global, não é nova para estudiosos, como já demonstraram Maxton e Wormald, em seu livro “Time for a Model Change” (Cambridge University Press, 2004).

Também não será inédito que, na luta cruenta na construção da competitividade, montadoras e segmentos associados se submetam inelutavelmente à realidade imposta pelo duelo em busca da própria sobrevivência.

Mesmo duelo que vitimou, ao longo desses pouco mais de 100 anos da indústria, centenas de fabricantes nos Estados Unidos e resultou no desaparecimento recente de milhares de concessionários e fornecedores, que sumiram na cauda do cometa que foi a crise financeira de 2008.

Também é esperado que esse movimento de consolidação na área de montadoras aconteça também na China. Somadas, as pequenas montadoras nativas ostentam pouco mais de 40% de todo o consumo voraz do país, dominado pelas “joints” das grandes locais com as ocidentais.

Por falar da China, que sirva de luz a essa inescapável recriação da indústria o que aconteceu, recentemente, no maior mercado do mundo. O próprio presidente da GM na China, Matt Tzien, aceita como movimento de rotina a “drástica redução de preços em resposta à queda na demanda, que ameaça as ricas margens das montadoras internacionais no país” (Automotive News de 21/5/15).

Assim, reduzir a remessa de lucros – um objetivo, aliás, a se perseguir sempre - pode não ser o bastante ao pensarmos na recriação que se defende; no enfrentamento de situação como a que as indústrias automobilísticas, principalmente as grandes, hoje encaram em nossa Pindorama.

Ao longo de muitos anos, as tradicionais montadoras se aproveitaram da longevidade de suas plataformas locais para resguardarem os lucros que aqui obtiveram. Faça-se importante ressalva ao tempo em que enfrentaram os absurdos controles de preços.

Custo, fator determinante do preço, é uma variável que diz respeito exclusivamente à eficiência de quem o enfrenta, como dizem os japoneses, que desde a aplicação dos conceitos da “qualidade acima de tudo” (a eles transmitidos pelo americano Edward Demming) e da produção enxuta, continuam a deter as melhores margens no mercado mundial de referência, antes e depois da crise de 2008.

Que caiam sobre as pranchetas e se esforcem por redesenharem seus custos, reprecificando seus produtos. Para o momento atual, não há outra solução.

Acima de tudo, que se impregnem dessa missão sem alimentar qualquer esperança de incentivos artificiais, que somente lhe fragilizarão na luta com a concorrência.

E que nesse embate vençam os melhores, não esquecendo o “apelo” recente do senhor Marchionne (CEO da Fiat Chrysler) ao, apaixonadamente, defender novas e importantes fusões ou associações.

O Brasil parece lugar perfeito para demonstrar, no campo automotivo, a irrevogável lei de Darwin.

 

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