Topo

Imigrantes são bodes expiatórios dos problemas da Europa

Especial para o UOL

13/07/2015 06h00

De acordo com os números fornecidos pelo comissário para direitos humanos do Conselho da Europa, em 2010, quase 5,5 milhões de pessoas estariam em situação irregular dentro da União Europeia. São essas pessoas que olharemos mais de perto a seguir.

Quando se fala de trabalhadores migrantes em situação irregular na Europa, muitas vezes seguem-se dois tipos de impulso. O primeiro é o de abordar essa questão pela perspectiva do direito internacional e de responder a ela a partir de instrumentos jurídicos referentes a imigrantes.

O segundo é considerar a imigração unicamente como uma infração e por isso criminalizá-la. Por essa ótica, a questão do trabalho não é levantada uma vez que o imigrante infringiu a lei, e o que o espera é a deportação.

Pela perspectiva do direito internacional, todos os imigrantes são protegidos pelos direitos humanos. Além disso, existem até convenções a respeito do trabalho. É o caso, por exemplo de duas convenções da OIT (Organização Internacional do Trabalho) de 1949 e 1975 (C97 e C143, sobre os trabalhadores migrantes), e da Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros de Suas Famílias sob supervisão da ONU em 1990.

Por essa ótica, mesmo estando irregular, o imigrante teria direitos a serem respeitados e não poderia sofrer restrições pelo Estado no qual ele se encontra. No entanto, essa visão da realidade é totalmente errônea devido às especificidades do direito internacional. As convenções mencionadas não são necessariamente obrigatórias para todos.

Uma convenção na verdade só é imposta a um Estado a partir do momento em que ele decidiu integrá-la à sua ordem jurídica através de uma ratificação. Ocorre que em se tratando da Convenção de 1990, esse texto não foi ratificado pelos Estados da União Europeia. No que diz respeito às convenções da OIT, elas contêm cláusulas que autorizam os Estados a discriminarem os indivíduos em situação irregular.

Pela perspectiva do direito penal, a entrada em um país está sujeita a um certo número de regras e sobretudo à obtenção de um visto. Aquele que não se adequa a elas corre o risco de ser deportado. Além disso, o acesso ao mercado de trabalho para os não-cidadãos europeus é rigidamente regulamentado e requer a obtenção de uma autorização de trabalho.

Para além dessas duas abordagens, falar sobre o trabalhador imigrante em situação irregular na Europa não é uma tarefa fácil em parte devido à extrema heterogeneidade das situações dos imigrantes, e em parte devido aos últimos episódios das várias tragédias no Mediterrâneo, que acabam levando a todo tipo de equívoco.

O princípio em vigor na União Europeia é de que um imigrante clandestino está estritamente proibido de trabalhar, e os empregadores não devem contratá-lo. A sanção que costuma vir nesse caso é a deportação. Entretanto, essa severidade não oculta em nada os direitos desses imigrantes enquanto trabalhadores, e assim a obrigação de pagar um salário continua recaindo sobre o empregador.

No entanto, para além dessa abordagem global, é preciso distinguir entre as situações dos imigrantes. A mais importante diz respeito ao imigrante stricto sensu e o refugiado. Este de fato está sujeito a um regime excepcional e ele tem o direito de trabalhar reconhecido. O mesmo vale para o requerente de asilo, que sob determinadas condições também pode trabalhar.

Nessa diversidade de situações, a duração da permanência também pode influenciar, e isso se vê na França, com a situação dos "sans papiers" (do francês, "sem papéis"). Esse termo na verdade define os imigrantes que eram regulares e que foram parar na ilegalidade por razões diversas. Nessa categoria, é possível encontrar um certo número de trabalhadores cuja reivindicação principal é a regularização de sua situação.

No contexto atual, teme-se que os imigrantes em situação irregular estejam sendo, ainda mais do que no passado, verdadeiros bodes expiatórios de tudo aquilo que não está indo bem nos países europeus. Essa postura evita o questionamento sobre temas que nos parecem centrais como o caráter inevitável das migrações, mas também a demanda de mão de obra nos países europeus.

  • O texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL
  • Para enviar seu artigo, escreva para uolopiniao@uol.com.br