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Apesar de acordos internacionais, Brics não respeitam direitos humanos

Especial para o UOL

15/07/2015 06h00

A cada cúpula anual, os Brics consolidam seu peso não apenas na agenda econômico-financeira, mas também, de modo crescente, seu protagonismo na disputa geopolítica.

A 7ª Cúpula, realizada em Ufá, Rússia, não deixou dúvidas sobre o papel que o bloco está disposto a exercer na busca por uma ordem internacional mais equilibrada em relação às potências tradicionais.

Porém, os Brics só serão capaz de representar os anseios por democratização substantiva do sistema internacional se seus membros se comprometerem de forma consistente com a garantia dos direitos humanos também dentro de suas fronteiras.

A busca por uma ordem internacional multilateral e plural deve ser comemorada, inclusive porque o peso dos Brics acaba por se refletir em arranjos mais equilibrados também nos planos regionais, como no caso da América Latina que vive em permanente jogo de tensões e reequilíbrios com os Estados Unidos.

No entanto, as análises que comemoram o potencial dos Brics de democratização da ordem global correm o risco de deixarem de fora um componente central da agenda democrática: os países do bloco têm imensos desafios a serem enfrentados em relação à garantia de direitos humanos. 

O documento mais importante, a Declaração de Ufá, deixou claro quais são os compromissos dos Brics com o sistema ONU e o multilateralismo, e também com novos acordos de cooperação entre os membros do bloco de modo a se fortalecerem mutuamente.

A declaração destaca o papel central da ONU no enfrentamento da agenda de conflitos e de segurança internacional e condena de forma veemente todas as formas de terrorismo.

O bloco deixa explícito seu desejo de ser protagonista nesta agenda, a declaração se posiciona sobre todas as situações de conflito da atualidade, tais como a Síria, Iraque, conflito Israel-Palestina, Oriente Médio como zona livre de armas nucleares e de destruição em massa, Irã, Afeganistão, Ucrânia, Líbia, Sudão, Somália, Mali, Congo, Burundi, República Centro-Africana e Boko Haram.

Contraditoriamente, no momento em que os Brics supostamente afirmavam os seus compromissos com os direitos humanos e as liberdades de expressão, a China empreendia uma enorme perseguição a advogados defensores dos direitos humanos: mais de 100 foram alvos e, ainda hoje, 25 encontram-se sob custódia do governo.

Além disso, os Brics, em especial a Rússia, vêm votando sistematicamente no Conselho de Segurança da ONU contra as sanções em relação à Síria, por exemplo. Ou seja, há uma chocante distância entre o que se afirma nos fóruns internacionais e o que se faz domesticamente.

A Declaração de Ufá também se posiciona sobre governança da internet, defendendo um "processo aberto e democrático, livre da influência de quaisquer considerações unilaterais".

O documento estabelece compromissos nas áreas de cooperação em produção industrial, infraestrutura, energia, agricultura, segurança alimentar, desenvolvimento sustentável, objetivos de desenvolvimento do milênio e agenda pós-2015, trabalho e empregos decentes, migrações e a situação no Mediterrâneo, saúde, ciência, tecnologia e inovação, educação e cultura.

A realidade mostra também que seus membros mantêm elevados índices de concentração da renda e desigualdades. Em alguns dos países, os direitos nas áreas da educação, segurança pública, liberdade de expressão, saúde e serviços públicos estão muito distantes de serem plenamente alcançados.

A criminalização dos homossexuais, a violência contra as mulheres e os altos índices de homicídios de jovens negros seguem sendo realidades perturbadoras na Rússia, na Índia e no Brasil. A garantia dos direitos do trabalho definida pela Organização Internacional do Trabalho não é observada em alguns países membros.

Violações de direitos e condições de trabalho degradantes são frequentes, e grandes empreendimentos energéticos, de mineração e de infraestrutura costumam violar direitos territoriais. Por este motivo são permanentes as lutas por trabalho e emprego decentes, pelo direito a terra de quilombolas e indígenas no Brasil, e as campanhas dos afetados por grandes barragens na Índia, Brasil e China.

Para avançar, portanto, é necessário que o bloco estabeleça sólidos compromissos de enfrentamento das violações de direitos humanos dentro e fora dos Brics. Uma forma de avançar nesta agenda é definir critérios de fortalecimento dos direitos humanos nas operações do Novo Banco de Desenvolvimento, sem que o termo “desenvolvimento sustentável” corra o risco de cair no vazio, e que os amplos acordos de cooperação assinados em Ufá tenham como objetivos reduzir as desigualdades sociais e de acesso a direitos no interior dos países membros. 

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