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Resgate de contas secretas no exterior anularia tesourada no PAC

Especial para o UOL

16/07/2015 06h00

A tesoura implacável do arrocho do governo federal prevê um corte de R$ 25 bilhões na menina dos olhos da presidente Dilma Rousseff: o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), do qual faz parte o Minha Casa, Minha Vida. O facão do governo também vai decepar mais de R$ 21 bilhões, ao todo, da educação (R$ 9,4 bi) e da saúde (R$ 11,7 bi).

A boa notícia é que boa parte dessa perda, cerca de R$ 25 bilhões, poderá ser recuperada graças ao caminho descoberto por uma CPI do Senado Federal.

Proposta por mim, a CPI do HSBC nasceu na onda do escândalo do SwissLeaks, o escândalo planetário envolvendo o maior vazamento de dados bancários da história: as contas secretas de 106 mil clientes de 203 países que, apenas nos anos de 2006 e 2007, movimentaram mais de US$ 100 bilhões numa única agência do private bank do banco HSBC em Genebra.

Os arquivos do HSBC indicam que os brasileiros dessa lista — 8.667 clientes compartilhando 6.606 contas — movimentaram cerca de US$ 7 bilhões naqueles dois anos, dessa única agência de um só banco.

O Brasil é o 9º país em recursos depositados e o 5º maior em número de clientes, com valores até então secretos e supostamente não declarados ao fisco brasileiro. As contas são numeradas e fazem uso frequente de empresas “off shore” de paraísos fiscais, o que reforça o caráter sigiloso das movimentações financeiras e atrai a atenção das autoridades e da CPI.

Numa primeira listagem de 126 brasileiros identificados no HSBC, o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) do Ministério da Fazenda localizou “indícios de ilícitos” nas movimentações financeiras de pelo menos 50 desses correntistas, um elevado índice de quase 40%.

Se essa proporção for equivalente no total de correntistas brasileiros, quase 3.500 poderiam estar nessa imprecisa fronteira da ilicitude fiscal. Em termos financeiros, isso colocaria sob suspeição uma bolada de US$ 2,8 bilhões dos US$ 7 bilhões em mãos de brasileiros enredados no HSBC.

Trabalhando com essa hipótese, confirmada pelas primeiras investigações da CPI, busquei a parceria do tributarista Heleno Torres, professor titular de Direito da USP, no sentido de regularizar os bens não declarados, de origem lícita, e mantidos por brasileiros em contas no exterior. Nasceu daí o projeto que cria o Rerct (Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária), que ganhou o número de Projeto de Lei do Senado 298, de 2015.

A ideia originou-se no curso das discussões da CPI, que evidenciou algo que muitos já desconfiavam: a existência no Brasil de um universo de abastados contribuintes com contas bancárias no exterior, possivelmente não declaradas e, portanto, não taxadas.

Esses maus contribuintes, que vêm causando um rombo bilionário na arrecadação de impostos no Brasil (estimativas da Tax Justice Network indicam que as cifras podem alcançar a casa das centenas de bilhões de reais), estavam fora do alcance das autoridades de fiscalização, mas agora sentem o cerco se fechar.

Os cálculos mais conservadores do Ministério da Fazenda indicam que, nesse universo ainda intocado, a arrecadação do Governo, com base no PLS 298, poderia alcançar a R$ 25 bilhões apenas em 2015, compensando integralmente a tesourada do ministro Joaquim Levy só no PAC.

Repatriação

Uma reunião de trabalho foi convocada na última quinta-feira, 9, pelo ministro Levy, com a presença de vários, incluindo a mim e o líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS). A fórmula racional para a repatriação desses recursos ganhou a adesão massiva do governo, que pretende aprovar a medida num prazo máximo de 90 dias. Nessa segunda-feira, 13, especialistas da Fazenda, em sintonia com a liderança do governo no Senado, trabalhavam sobre a versão original do meu PLS 298.

As estimativas indicam que a arrecadação aos cofres da União poderá atingir, no total, cerca de R$ 100 bilhões. Recurso esse que, pela minha proposta, será utilizado integralmente para fomentar o desenvolvimento do país, pela via de dois fundos criados para financiar os Estados. Um deles compensando as perdas decorrentes da unificação da alíquota do ICMS, o outro com foco no desenvolvimento regional.

A proposta original tenta impor a justiça tributária, para que os mais ricos que possuam contas no exterior recolham aos cofres públicos o imposto devido, acrescido de multa que varia de 15% a 30%. Além disso, o projeto garante a punição, em multa, para aqueles que hoje estão impunes, pela ineficácia ou pela incapacidade do Estado em identificar, investigar e processar esses milhares de maus contribuintes.

Ao sobretaxar o patrimônio a ser regularizado, o projeto cria verdadeira punição em multa que será cumprida espontaneamente por todos aqueles que queiram regularizar sua situação fiscal.

A exceção se dará aos que possuem recursos não declarados oriundos de atividade ilícita (como corrupção, tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, etc), que serão impedidos de aderir ao Rerct e continuarão sendo perseguidos pelas autoridades judiciárias.

O Brasil recentemente se comprometeu com o esforço global contra a evasão de divisas, por meio da ratificação do Fatca (Foreign Account Tax Compliance Act), pelo qual Brasil e EUA poderão trocar informações sobre movimentações financeiras de seus cidadãos em instituições financeiras estabelecidas em ambos os países, tornando mais difícil a ocultação das transações internacionais e, portanto, a evasão de divisas e a sonegação fiscal.

Outras iniciativas nesse sentido estão sendo adotadas também no âmbito da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). O PLS 298, que mobilizou o Ministério da Fazenda e o governo Dilma, trabalha com esse novo cenário, abrindo uma janela de 120 dias para que os contribuintes declarem seus bens ocultos no exterior, permitindo a regularização e a taxação de grandes riquezas hoje não tributadas.

Fora desse prazo, quem mantiver valores não declarados no exterior permanecerá em situação ilícita e, quanto mais tempo passar, maior será o risco de autuação pelo fisco.

Essa é uma oportunidade única, para os dois lados. Para o contribuinte, que ganhou dinheiro honestamente e o remeteu ilegalmente para o exterior, e para o governo, que passará a arrecadar o imposto devido sobre esses valores não declarados.

Com essa dupla e positiva ação de contribuintes e governo, ganhará enfim o cidadão brasileiro, que verá a aplicação eficaz e correta de seus impostos, sem sonegação e sem evasão, aplicados de forma eficaz no combate às crônicas deficiências dos serviços públicos nacionais.

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