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Situação de Dilma é pior do que a de Collor antes do impeachment

Especial para o UOL

20/07/2015 07h24

Lembro-me, pouco tempo depois de ter atingido a maioridade penal, de uma antiga propaganda de desodorante que fez muito sucesso e que mostrava uma mulher bonita caminhando com indisfarçável arrogância em meio a outras que pareciam estar condenadas ao anonimato.

O interessante da propaganda é que a protagonista era a única que estava vestida com cores vibrantes. O cérebro criativo do publicitário, imagino, quis passar a mensagem de que usar aquele produto fazia uma “sensível diferença”, a ponto de emprestar cores à sua vidinha sem graça.

 O governo vem pregando que a política é uma coisa só, um universo composto de cinquenta tons de cinza, mas sempre cinza. Apenas Dilma manteria um colorido vivo. Em recente entrevista para um grande jornal do país, com um certo desdém a presidente declarou que a campanha do candidato derrotado no segundo turno das últimas eleições igualmente se beneficiou de doações de grandes empreiteiras investigadas na operação Lava Jato.

Por isso, no entender de Dilma Rousseff, estariam todos metidos num mesmo barco. Sim, naquele barco difícil de manobrar da entrevista do Jô, já que parece claro que a intenção de Dilma vem sendo colocar Aécio ao seu lado na cabine de comando de um superpetroleiro que está prestes a afundar.  

Discutir o financiamento público de campanhas ou a proibição de doações por parte de pessoas jurídicas – que evitariam que um volume tão espantoso de recursos migrasse para as candidaturas tanto de situação como de oposição – é uma coisa. Outra coisa bem diferente é falar que se as duas campanhas receberam dinheiro de empresas investigadas no petrolão, ninguém pode se gabar de que tem as mãos limpas.

Há aqui, como na propaganda do desodorante, uma sensível diferença: por controlar a máquina pública, só o governo tem o poder para conscientemente fazer gerar os recursos que serão posteriormente usados para abastecer a campanha de seu candidato, através de doações legais ou ilegais. Só o governo tem a força para vincular doações de campanha com a liberação de recursos para empresas que com ele contratam.

Uma pergunta difícil de ser respondida é se o dinheiro proveniente da corrupção da Petrobras foi por si só determinante para alterar o resultado das eleições. Os números podem, no entanto, nos revelar detalhes interessantes. 

A campanha de Dilma recebeu R$ 64,6 milhões de empresas investigadas no escândalo do petrolão, enquanto que a de Aécio recebeu pouco mais da metade, R$ 34,1 milhões. Dilma obteve 54,4 milhões de votos, enquanto Aécio obteve 51 milhões, um saldo de 3,4 milhões de votos em favor da candidatura petista. 

Caso se divida o valor que Dilma recebeu a mais das empreiteiras investigadas na Lava Jato pelos votos que a presidente reeleita teve de vantagem, percebe-se que a campanha de Dilma poderia ter destinado R$ 8,97 para conseguir cada um desses 3,4 milhões de votos extras que lhe renderam a vitória, duas vezes mais do que custou cada voto em Aécio (R$ 4,37) e perto do dobro do custo do voto divulgado pelo Tribunal Superior Eleitoral para as eleições gerais de 2014 (R$ 4,80). 

É claro que devemos ter em mente que essa conta de padaria não é um critério científico, já que “custo do voto” e “preço do voto” são coisas distintas – em outras palavras, a expressão “custo do voto” não diz respeito ao preço que foi pago para comprar um voto, mas quanto uma campanha gastou, em média, por eleitor para atingir uma determinada votação. A falta de critério científico, no entanto, não serve de argumento para derrubar a hipótese de que o dinheiro do petrolão serviu para desequilibrar a balança.  

Poço sem fundo

O que é fácil de responder é que, por mais traumático que isso possa ser, não haverá legitimidade moral e legal para a chapa vencedora permanecer no poder caso venha a ser provado que a sua campanha foi abastecida com dinheiro sujo. A democracia impõe essa saída.

Ambiente político para o impeachment existe de sobra. O país é de fato um superpetroleiro sem comando e a popularidade da presidente só não chegou ao fundo do poço porque o poço parece não ter fundo. Além disso, o ambiente jurídico vem se consolidando, na medida em que um desfecho lógico para a artimanha das “pedaladas” se aproxima. A situação de Dilma é significativamente pior do que a de Collor nos meses que antecederam o seu afastamento.

Para jogar um balde de água fria nos pregadores do apocalipse que chamam a oposição brasileira de golpista, vale a comparação de que se Dilma estivesse no lugar de Barack Obama certamente teria pela frente mais do que uma marola que virou onda. A presidente provavelmente seria engolida por um maremoto, o mesmo maremoto que esteve a ponto de engolir Bill Clinton.

O simples fato de manter em ou trazer para a sua órbita direta de influência subordinados hierárquicos que podem vir a ser chamados para testemunhar sobre as doações de campanha seria motivo suficiente nos Estados Unidos para que Dilma sofresse um processo de cassação de mandato.

Uma das acusações que levou a aprovação do impeachment de Clinton pela Câmara dos Representantes foi a de que ele teria ajudado Monica Lewinsky a arrumar um emprego e um advogado de sua confiança – da confiança dele, não necessariamente da de Monica – tão logo soube que ela testemunharia no processo de assédio sexual a que estava sendo submetido.

Por aqui – também pela via constitucional – o TSE pode aliviar a aflição dos milhões de brasileiros que querem ver o país sair o quanto antes da crise política que hoje ajuda a estrangular a economia. Não se justifica a tese defendida por alguns de que são genéricas as acusações apresentadas pelos tucanos.

De acordo com informações divulgadas pela imprensa, um dos líderes do “clube das empreiteiras” teria revelado em sua delação premiada que fez doações à campanha de Dilma após ser lembrado dos contratos de sua empresa com a Petrobras. É provável que o depoimento de Pessoa ao TSE soe como o canto do cisne de um governo que se transformou num equilibrista de pratos bêbado. 

Dilma não está de todo errada – embora tenha soltado a frase com uma retórica exagerada e num contexto completamente infeliz – quando diz que não respeita delatores. É comum que delatores, de fato, imprimam um toque pessoal às suas “verdades”, de acordo com os objetivos que queiram alcançar ou com o que imaginam que os seus interlocutores queiram ouvir. O problema é que as provas produzidas na Operação Lava Jato derivam do cruzamento de informações provenientes de inúmeras fontes de investigação. E aí a porca torce o rabo. 

Não se deve considerar como um mantra a alegação de que a coordenação da campanha de Dilma ignorava o envolvimento das empreiteiras investigadas no esquema de corrupção da Petrobrás. Ainda que isso possa corresponder à verdade – algo que começa a ser questionado –, essa tese deve ser relativizada à medida em que se constata que empresas doadoras foram alvo de operações anteriores da Polícia Federal – fato que por si só justificaria um cuidado redobrado por parte da campanha governista.

Afinal, os antecedentes apontariam para o risco, pelo menos em tese, de parte do dinheiro das doações legais ter saído de forma ilegal dos cofres do próprio governo. Além disso, eram evidentes os sinais de que algo de muito estranho andava acontecendo em obras tocadas por empresas doadoras. A novela bolivariana do estouro do orçamento da refinaria de Abreu e Lima é só um desses sinais evidentes.

Pessoalmente acredito na honestidade da nossa presidente, mas a verdade é que o vermelho de Dilma desbotou e foi parar no rosto do povo brasileiro.  Não há mais espaço para que continue, assim como a modelo da propaganda de desodorante, olhando os outros de cima para baixo. 

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