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Com crise, imóvel na planta tornou-se uma grande dor de cabeça

Especial para o UOL

21/07/2015 06h00

Depois de trazer bons resultados a compradores e lucros estratosféricos às incorporadoras, o imóvel na planta se tornou uma grande dor de cabeça e motivo de grandes prejuízos para ambos os lados.

Durante o boom imobiliário, o cliente comprava um imóvel e pagava a variação do INCC (Índice Nacional da Construção Civil) sobre o valor devido pelo imóvel durante toda a fase de construção. Ao final, mesmo devendo um grande valor - maior do que aquele informado na data da compra - ainda assim a compra se mostrava um bom negócio, pois o valor de revenda do imóvel era bem maior e a procura era grande, facilitando a revenda.

Mas veio a crise econômica, que também atingiu o mercado imobiliário e os compradores que, sem dinheiro, não conseguiram financiar os imóveis que já estavam negociados e que vem pagando há tempos. Sem opção, precisaram desistir do negócio.

Resultado: a onda de devolução de imóveis comprados na planta atingiu números preocupantes para as incorporadoras, que passaram a oferecer promoções malucas para novos interessados, na tentativa de desovarem o estoque, cada vez maior e com tendência a aumentar ainda mais.

Isso porque a crise parece estar apenas começando e os efeitos de uma ressaca econômica demoram a passar. As pessoas demoram a colocar as suas contas em dia e a desconfiança em relação à economia perdura por algum tempo. Mesmo que tudo voltasse ao “normal” hoje, os tempos de vacas gordas no setor imobiliário demorariam a voltar.

O cenário é preocupante. Dados do Tribunal de Justiça mostram que as ações contra construtoras subiram cerca de 145% no segundo semestre de 2014, em relação ao mesmo período do ano passado, e desse total em torno de 80% são distratos.

Vários fatores culminaram na atual situação, como aumento excessivo do preço do imóvel, dificuldades para financiamento, aumento da taxa de juros e desemprego, entre outros.

Na hora de vender, as construtoras fazem o negócio parecer imperdível. As parcelas sempre são pequenas, cabem no bolso do comprador e não há, muitas vezes, informações sobre o reajuste mensal no saldo devedor, o que faz parecer que o imóvel tem um valor fixo.

Mas não é bem assim. O saldo devedor é sempre corrigido pelo INCC, um dos maiores índices inflacionários que existe e que chega a ser quase o dobro do IGPM. A correção é sempre de forma cumulativa, mensalmente, e sobre o saldo devedor, mas não sobre a parcela mensal, como muitos interessados são levados a acreditar.

Com a inflação em alta, o débito cresce de maneira descontrolada, muito mais que o salário do comprador, e com isso torna o rendimento insuficiente para contratação do financiamento, embora a simulação no estande de vendas tenha mostrado que era perfeitamente possível.

Sem conseguir o crédito, o cliente não tem alternativa se não devolver o imóvel à incorporadora e é nesse momento que as empresas fecham as portas para negociações e tentam, a todo custo, tirar o maior proveito possível do cliente. Em alguns casos, as construtoras aceitam devolver um valor irrisório de tudo o que foi pago, isso quando não afirmam que não vão ressarcir nada.

Isso é ilegal e a Justiça garante ao comprador a devolução entre 85% e 90% de todos os valores pagos, incluindo taxas e corretagens na maioria dos casos. Esse direito do consumidor está inclusive sumulado pelo Tribunal de Justiça de SP.

Há também os compradores que já foram prejudicados pela crise e estão desempregados. Sem renda, não conseguem dar continuidade ao pagamento das parcelas e são obrigados a desfazer o negócio.

A desvalorização do imóvel também leva ao distrato frequentemente. Para desovar estoques, as construtoras acabam comercializando imóveis já prontos por valores mais baratos do que foram vendidos na planta. Se a pessoa comprou o imóvel como investimento, pensando em ganhar dinheiro na revenda, o objetivo fica impossível e a devolução é a melhor saída para não perder mais dinheiro.

Vale lembrar que quem estava contando com a venda de seu imóvel usado para usar como parte do pagamento de um imóvel novo também está vivendo um pesadelo.

Além do mercado imobiliário estar com as vendas estagnadas, a Caixa Econômica Federal, que é o maior banco financiador do país, mudou as regras do financiamento e agora, passou a financiar somente 50% do valor do imóvel usado, ao invés dos 80% habituais.

Isso praticamente tornou a compra impossível, pois raramente alguém terá metade do valor do bem para dar à vista. Se a pessoa não conseguir vender seu usado e não tiver como dar o dinheiro para inteirar o que deve à construtora, mais uma vez o distrato deve ser a única saída.

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