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Maior rigor penal não diminui incidência de crimes

Especial para o UOL

25/07/2015 06h00

A redução da maioridade penal é mais complexa do que nos faz crer seus defensores. Ainda que pareça lógico que uma maior rigorosidade penal desencorajaria a prática de crimes, não há uma correlação clara entre esses dois fatores.

Prova disso é que países que reduziram a maioridade procuram fazer o movimento inverso, ao passo que nosso Congresso aprecia a proposição sem aprofundar e debater a questão de modo adequado.

Em uma avaliação de impacto legislativo, é fundamental identificar claramente o problema que se quer enfrentar, o fim a qual a lei se presta e os atores relacionados com a questão. Verificamos, contudo, que nossas leis têm sido alteradas sem esse devido exercício.

Tomemos a Lei de Entorpecentes, de 2006, como exemplo. A referida lei aumentou a pena para o tráfico de drogas e abrandou a penalidade para usuários, mas sem que fossem estabelecidos critérios objetivos para a distinção dessas categorias.

À época de sua criação, muitos argumentaram que a lei suavizaria a pena para o usuário, mas não foi isto que aconteceu. Desde a criação da lei, as prisões por tráfico foram responsáveis por 46% do aumento da população prisional brasileira.

Parte considerável desse aumento, contudo, deve-se a casos como o de José Manoel Lopes dos Santos. Em razão da ausência de critérios concretos, José Manuel, que portava 0,02 gramas de maconha, foi condenado pelo STF em junho deste ano a mais de quatro anos de prisão por tráfico.

Novamente um projeto legislativo é apreciado sem a devida análise sobre seus efeitos: a proposta de redução da maioridade penal. Assim como os impactos adversos da Lei de Drogas, é necessário admitir que desconhecemos as dimensão das consequências que a redução da maioridade pode acarretar.

Quantas pessoas serão impactadas por essa alteração legislativa? Qual é o custo para o Estado? Qual é o impacto nos índices de reincidência criminal? Há estudos que comprovem a relação entre a redução da maioridade penal e a diminuição da criminalidade?

O momento exige um debate sobre qual é a política penal que queremos para nossa sociedade. Com os dados do relatório publicado recentemente pelo Ministério da Justiça, é possível que esse debate se desloque do campo abstrato para o concreto.

Como já foi amplamente divulgado, o número de presos no Brasil ultrapassou a marca dos 607 mil. Esse valor é maior do que a população de 99% dos municípios brasileiros. Do total de pessoas privadas de liberdade, a maioria é jovem (56%), de baixa escolaridade (80% estudou até o ensino fundamental) e não responde por crime contra a vida (80%).

Cerca de 9 em cada 10 estão em estabelecimentos superlotados. Apenas um em cada dez presos estuda, 84% não trabalha. Enquanto apenas metade dos estabelecimentos prisionais no país dispõe de sala de aula, todas as unidades socioeducativas são obrigadas a oferecer atividades educacionais.

Os dados trazidos pelo relatório do Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias) indicam a inadequação do sistema prisional para receber adolescentes em processo de formação e construção de identidade, principalmente quando os estudos demonstram que as interações sociais representam um dos fatores mais significativos para a diminuição da reincidência.

Um dos principais argumentos evocados a favor da redução da maioridade penal é a necessidade de punição e a finalidade de afastar o criminoso do convívio social para preservar a segurança e tranquilidade dos demais cidadãos. Entretanto, essa é uma visão de curto prazo que desconsidera como esses jovens retornarão ao convívio social.

Após cumprida a pena, grande parte dos presos estará mais desconectada de sua rede de amigos e de seus familiares, terá mais chances de abusar de drogas e de sofrer de distúrbios mentais, terá menos educação e qualificação profissional do que se estivesse solto, terá mais chance de ser estigmatizado pela sociedade. Cada um desses elementos aumenta as chances de reincidência e, ainda assim, não são abordados de modo eficaz pelas políticas públicas hoje existentes.

Os dados e pesquisas problematizam a redução da maioridade penal e indicam a necessidade de uma avaliação detida sobre os efeitos dessa proposta para que o Brasil não tenha que fazer, daqui a alguns anos, o que os Estados Unidos têm feito atualmente: rever as leis duras e ineficazes aprovadas anteriormente – entre elas a redução da maioridade penal.

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