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Enfrentar tráfico de pessoas exige revisão de hábitos de consumo

Especial para o UOL

30/07/2015 06h00

O Brasil aderiu a tratados internacionais que buscaram criar em muitos países iniciativas voltadas ao combate do crime organizado e de suas atividades para o tráfico de pessoas, considerado pela ONU como uma das três atividades criminosas mais lucrativas em todo o mundo.

O tráfico de pessoas ocorre quando alguém é transportado ou mantido em algum lugar, dentro ou fora do Brasil, para que sofra exploração. São mulheres, homens, travestis, transexuais, adultos, jovens ou crianças explorados sexualmente, como profissionais do sexo, como cortadores de cana, carvoeiros, costureiros, empregadas domésticas, jogadores de futebol, operários em construções, modelos, dançarinas, músicos ou até mesmo para servirem como doares de órgãos. Tudo isso contra sua vontade ou até mesmo por sua vontade, após passarem por muitos enganos.

Vivemos num mundo em que os bens de consumo ficaram complexos. Compramos gente, força de trabalho. Dá lucro sonegar direito a um empregado, dá lucro "contratar" criança ou adolescente como empregado.

Tem até gente que paga barato a mulheres, adolescentes ou crianças para com elas fazerem sexo, desconsiderando a essencial condição do consentido livre e, no caso de crianças e adolescentes, o fato de que isso é um crime.

Até pedaços de pessoas podemos comprar se tivermos dinheiro de um lado, doadores pobres do outro e corrupção no meio. Aliás, a dinâmica do tráfico de pessoas une desamparo, escravidão, ilusão, ausências e corrupção. A commodity do momento parece comigo e com você.

As vítimas normalmente estão desligadas de direitos que soubemos nominar como fundamentais em nossa Constituição Federal. Direito a identidade civil, família, seja ela de qualquer formato afetivo, ressalto com muito destaque, trabalho decente, educação, saúde, segurança, mobilidade, respeito de gênero, raça, cor, religião, naturalidade ou nacionalidade. Demos nomes às coisas, mas não demos vida plena a elas.

No Estado de São Paulo, junto a Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Governo do Estado de São Paulo, coordeno o Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas que busca desenvolver ações de visibilidade sobre o tema

Integramos a Rede de Núcleos e de Postos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas espalhados por outros quinze estados da federação. Conquistamos espaços e parceiros do poder público e da sociedade civil. Publicamos neste ano uma pesquisa sobre o perfil do tráfico de pessoas e o trabalho escravo no Estado de São Paulo e os dados surpreendem, convido-os a ler.

Contamos com o apoio de órgãos dos poderes executivos, judiciário e legislativo que atuam em nosso Estado e aprendemos que a gestão dessa política pública exige um protagonismo coletivo e a humildade para entendermos que não há fórmula universal para cuidarmos de pessoas.

Vivemos casos nos quais tivemos que superar barreiras da exploração, em que a repressão e o sistema policial são eficazes somente até a página seguinte da história. São imigrantes que querem ficar no Brasil (e podem), querem mudar seus destinos. São brasileiros imigrantes que querem ficar nos países onde estão ou voltar para o Brasil para recomeçar suas vidas. São casos assim que nos deixaram com a certeza de que enfrentar o tráfico de pessoas é muito mais do que um caso de polícia, é um caso de políticas públicas.

Falar sobre enfrentamento ao tráfico de pessoas exige de todos nós a revisão de metas de sustentabilidade social, desenvolvimento econômico, dos modelos produtivos, dos hábitos e impactos do consumo.

É algo que exige a incômoda e fundamental posição de defesa garantia de direitos fundamentais e polêmicos, como o direito a identidade de gênero, migração segura, regular exercício do trabalho, acesso amplo ao sistema de saúde e fim do trabalho escravo e infantil. 

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