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Criminalidade e violência de jovens não é culpa do ECA

Especial para o UOL

31/07/2015 06h00

Criado pela Lei 8069 (13/7/1990), o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) fez 25 anos em meio a um polêmico debate, no Congresso Nacional e na sociedade, sobre a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, o que afronta o artigo 228 da Constituição de 1988.

O ECA representa inestimável conquista da sociedade e trata os direitos da criança e do adolescente como “prioridade absoluta” e sua proteção como “dever da família, da sociedade e do Estado”. Contudo, por omissão do poder público, descaso da sociedade e carências da família, essa lei não garante os direitos fundamentais de nossas crianças e adolescentes “referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”, conforme o art. 4º do Estatuto.

Críticas são feitas ao ECA, inclusive por quem é responsável pelo seu cumprimento, e chega ao absurdo de acusar o estatuto pela violência e criminalidade de jovens e adolescentes, rejeitando-o sem sequer conhecê-lo profundamente.

O Tribunal Permanente dos Povos, em sessão realizada, na Itália, em 1995, investigou e julgou “A Violação dos Direitos Fundamentais da Infância e da Adolescência no Mundo” e constatou ser o Brasil o país que apresenta um dos mais graves quadros de desrespeito dos direitos de crianças e adolescentes e, paradoxalmente, o que tem a legislação mais avançada, o ECA. Participei do evento como testemunha e, na ocasião, propus à Fundação Lélio Basso, instituição que promove o tribunal, a realização no Brasil de uma sessão para investigar e julgar a violação dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes em nosso país.

Aceita a ideia pela fundação, e com a participação de inúmeras entidades da sociedade civil, realizou-se na cidade de São Paulo, de 17 a 19 de março de 1999, a 27ª Sessão do Tribunal Permanente dos Povos, que investigou e julgou “A Violação dos Direitos Fundamentais da Criança e do Adolescente no Brasil - o distanciamento entre a lei e a realidade vivida”. Foi precedida por sessões preparatórias, realizadas nas cinco regiões do país, que contribuíram com valiosos subsídios para a elaboração do “Libelo Acusatório” base da sessão conclusiva do tribunal.

Presidida pelos juristas Dalmo de Abreu Dallari e Rubens Approbato Machado, a sessão final contou com a atuação de cinco juízes europeus, componentes do corpo de jurados, e concluiu pela condenação dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e dos governos federal, estaduais e municipais como responsáveis pelas graves violações dos direitos de crianças e adolescentes no Brasil.

Consta da sentença condenatória que na raiz do quadro aterrador de violações dos direitos humanos de nossas crianças e adolescentes está a política econômica dos sucessivos governos, que privilegia o capital financeiro especulativo em detrimento do desenvolvimento do país, gerando desemprego em massa e exclusão social de amplos e crescentes contingentes populacionais.

Atualmente, com vistas ao ajuste fiscal, o governo federal corta recursos orçamentários destinados aos programas sociais, particularmente os voltados ao atendimento de crianças e adolescentes das classes populares. A sentença atribui também parcela da responsabilidade à sociedade que não faz sua parte prevista no ECA.   

A sentença condenatória foi encaminhada a todas as autoridades brasileiras, no entanto, após 16 anos da realização da sessão do tribunal no Brasil, a situação de violações dos direitos das nossas crianças e adolescentes se apresenta ainda mais grave e, lamentavelmente, a única resposta do poder público e da sociedade ao problema é a redução da maioridade penal, violando um preceito constitucional e pondo por terra o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Assim, em vez de serem protegidos, conforme estabelece a lei, crianças e adolescentes se tornam réus e são condenados a apodrecer nas prisões imundas e superlotadas onde seres humanos têm sua dignidade e seus direitos humanos violados.

Está na hora, pois, do povo brasileiro acordar e dar um basta ao assassinato do futuro da nação.

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