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Nulidades de processo penal estão a serviço da impunidade

Especial para o UOL

05/08/2015 06h00

É comum falar no processo penal como um “jogo”. Hoje, fosse o processo um jogo de futebol, poderia o centroavante fazer três gols na final do campeonato, o árbitro validá-los, ninguém reclamar de qualquer irregularidade no dia da grande final ou nos meses seguintes.

No entanto, três, cinco ou até dez anos depois, o time que perdeu poderia alegar que a bola, no início do jogo, não estava bem no centro do gramado, ou que houve uma falta que o juiz não viu aos 27 minutos do primeiro tempo. Nesse caso, a partida seria anulada, assim como o campeonato inteiro, e não mais poderia ser jogada, pois faria muito tempo da sua realização.

No direito, o processo penal é o conjunto de regras que dita o passo a passo para que se acuse alguém de ter cometido um crime, e que diz como ele se defende e como o juiz deverá julgar.

O processo existe tanto para proteger o cidadão como para garantir que a sociedade aplicará o direito penal, sua última resposta contra aqueles que cometem algo grave. Não há outro jeito democraticamente aceito de aplicar penas senão pelo processo.

Com certeza é necessário que se alterem as condições que favorecem o cometimento de crimes e evitar que estes aconteçam, melhorando o país e a vida de todos os cidadãos; ocorre que a impunidade também estimula a criminalidade em todos os níveis, e não se conseguirá enfrentá-la sem que também haja repressão adequada e efetiva a condutas ilícitas.

Nesse sentido, o MPF (Ministério Público Federal) está propondo, dentro de um conjunto de dez medidas contra a corrupção, o ajuste de regras do processo penal em relação às nulidades, defeitos no curso do processo que podem acarretar invalidação de determinada fase ou, às vezes, de todo ele.

O devido processo, conforme o nosso direito, é uma conquista e disso não se abre mão. Acontece que não existem direitos absolutos, devendo também ser considerados os objetivos da nossa República, e o bem-estar e a segurança de todos, constitucionalmente consagrados – assim como os direitos que são suprimidos quando faltam recursos desviados do patrimônio da nação.

Muitas vezes, porém, se vê o direito e o processo penal apenas pelos olhos da defesa; e a sociedade, que espera uma resposta do Estado, fica com a justificada sensação de que as regras não condizem com o que se espera da Justiça.

Dizendo que foi ferido o devido processo, um réu, mesmo sabendo há muito tempo de um erro que tenha ocorrido (seja da polícia, do Ministério Público ou do juiz), por mais banal que tenha sido, e mesmo que o erro nada tenha lhe causado de prejuízo na prática, pode “guardar na manga” a alegação para apontá-la apenas muitos anos depois.

Não importa o erro, qualquer fato pode ser usado para acabar com uma acusação, e os casos emblemáticos de anulação dizem respeito justamente a processos que tratavam de grandes crimes, de réus com muito dinheiro, pessoas poderosas e que saíram impunes. O processo, assim, muitas vezes volta à estaca zero, e, até que se chegue novamente a uma condenação, a prescrição e a impunidade já estão batendo à porta.

A proposta do MPF tem como um de seus eixos estabelecer casos em que não se justifique considerar uma prova “ilícita”, em razão de se ter, por exemplo, chegado a ela em ato de legítima defesa, ou por ter uma pessoa obtido a prova de boa-fé (ou seja, sem conhecimento de que estivesse praticando uma ilegalidade).

Busca-se ainda estabelecer um limite para o momento em que se podem alegar as nulidades, de modo que não se possa mais guardar por longos anos uma alegação, garantindo a ampla defesa e o devido processo, mas também a aplicação do direito penal.

Assim, será estabelecido um prazo para a alegação da nulidade; se alegada depois de tal prazo, a demora no seu julgamento não poderá causar prescrição. Outro ponto da proposta é a necessidade de reconhecimento pelo juiz de que a irregularidade tenha gerado prejuízo à defesa do réu. Somente nesse caso caberá a anulação.

É preciso ajustar as regras do jogo. Nesse caso, as condições em que as nulidades podem ser alegadas, diminuindo possíveis chances de indevida impunidade, sem deixar de respeitar o direito de defesa do acusado.

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