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Querer inflação na meta em 2016 vai custar caro ao país

Especial para o UOL

25/08/2015 06h00

Os números do IBGE confirmam, com algum atraso, a recessão brasileira. Na realidade a velocidade com que a atividade está despencando faz com que os dados de dois meses atrás, relativos ao desempenho da economia e do emprego, já estejam velhos e não espelhem corretamente a atual realidade.

A indústria de transformação, que mantém o papel de puxar a produtividade e de transferi-la para toda a economia, está reduzida a menos de 10% do PIB. Um PIB que, segundo um consenso crescente, vai cair nada menos do que 2% e o investimento, que normalmente é a primeira vítima de qualquer crise, deve despencar cerca de 10%.

Nesse cenário, o ajuste fiscal proposto é mais um elemento a agravar a recessão sem a mínima garantia que o sacrifício imposto a quem trabalha e produz - os que vão pagar a conta - possa ao menos sinalizar uma retomada do crescimento como recompensa futura, com geração de emprego e renda.

Tal como o ditado popular, quando diz que “não há mal que sempre dure”, é claro que antes ou depois vai haver uma retomada. Ela acabaria ocorrendo, com ou sem ajuste, mas o crescimento do PIB muito provavelmente será insignificante, visto que os problemas de fundo não estão sendo sequer enfrentados e, muito menos, resolvidos.

Não tem, portanto, a menor consistência econômica a insistência do Banco Central em continuar a subir juros quando a demanda está claramente em queda, não somente na indústria, mas também nos serviços como mostram os últimos dados disponíveis. Querer a convergência da inflação à meta em 2016 é um ato de vontade que vai custar caro ao país.

Essa demanda fraca, confirmada inclusive pela forte queda nas importações, vai acrescentar ainda neste ano 2 a 3 milhões de desempregados adicionais ao nosso atual desemprego e essa recessão, envergonhadamente desejada por nossas autoridades econômicas, inevitavelmente irá levar a inflação à meta.

Assim, ao contrário do desejo do “mercado”, agora é necessário afrouxar a política monetária com uma consistente redução da Selic, concomitante com um aumento programado do ajuste fiscal feito em cima de redução de despesas a serem obtidas de forma permanente e com a melhoria contínua da eficiência na gestão da “res publica” (coisa pública).

Nesse aprofundamento do ajuste fiscal, o governo tem que atacar as causas do problema, ou seja, do excesso de gastos. É preciso negociar de forma transparente com a sociedade os cortes a serem feitos e oferecer em troca uma absoluta austeridade nos gastos de custeio, junto com um programa de acompanhamento destes gastos, para eliminar desperdícios e otimizar sua eficácia.

A sociedade tem que saber e, na medida do possível, concordar com esse sacrifício, que está apenas começando e que ainda irá aumentar antes de melhorar. É necessário garantir que a fase de “sangue, suor e lagrimas” será seguida, num arco relativamente breve de tempo, de uma retomada do crescimento sustentado com distribuição de renda, se esse ajuste estrutural for feito.

A conjuntura atual, com o elevado custo que vai cobrar de quem trabalha e quem produz, não pode ser desperdiçada com meias medidas que vão apenas adiar os problemas até a próxima crise, ao contrário, tem que ser aproveitada para arrumar o mais possível o país tanto em termos institucionais quanto econômicos.

Já demoramos muito no enfrentamento dos problemas que impedem o crescimento do Brasil há mais de três décadas. Nos poucos anos nos quais crescemos, não foi por méritos próprios, mas sim puxados por circunstâncias externas. Tanto nosso arcabouço institucional quanto o econômico têm que ser revistos se quisermos deixar de ser apenas o país de um futuro que nunca chega.

A reforma política tem que resolver, além do excesso de legendas e de partidos de aluguel, o financiamento das campanhas e, principalmente, evitar que interesses privados se apropriem do estado. Ao mesmo tempo é necessário estabelecer regras claras que simplifiquem as relações público-privadas, reduzam os custos de transação e a excessiva judicialização, inclusive nas relações capital-trabalho, nas quais o negociado tem que prevalecer sobre o legislado.

No campo macroeconômico, o Brasil tem que desmontar a indexação existente, limitar os gastos públicos de modo a crescerem abaixo do PIB, tirar o câmbio do Banco Central, que, por sua vez, deve criar uma taxa de curto prazo neutra ou negativa para remunerar o capital ocioso e promover maior concorrência no setor financeiro para trazer os juros de mercado a patamares compatíveis com a inflação.

Ainda nessa área, além da simplificação da estrutura tributária que redistribua de forma mais equilibrada tanto receita quanto encargos, desonere exportações e investimentos, o país tem que dar sustentabilidade, a longo prazo, às contas da previdência levando em conta a mudança na estrutura etária da população, e aproveitar a diminuição prevista da população em idade escolar, o que vai demandar menos estrutura física, para investir basicamente na qualidade da educação.

No espaço deste artigo não dá para elencar todos os nossos problemas, mas é fundamental eliminar as causas que fizeram do Brasil um país muito caro para se produzir, complicado para se trabalhar, inseguro para se viver e que sacrifica a esperança de seus jovens no futuro ao não oferecer oportunidades iguais para todos.

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