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Fechar a Paulista é uma estratégia política primária e excludente

Especial para o UOL

02/09/2015 06h00

De repente, me vejo em um polo de discussão um tanto surrealista: abrir ou fechar a avenida Paulista aos domingos? Nessa polêmica, só se pode ser contra ou a favor. Não há outra possibilidade.

Assim, se cria uma polaridade artificial, uma discussão dogmática em que apenas um dos lados pode estar com a verdade, uma falsa contradição que pode gerar uma luta de opiniões em que apenas um é capaz de ser o vencedor. Antes de outras considerações, façamos um rápido retrospecto da história da nossa avenida.

Dos primeiros automóveis dos barões dos casarões aos bondes que trouxeram o transporte público, a pista central dos primeiros tempos era ladeada de generosas calçadas de mosaico português e de árvores frondosas, como previra Joaquim Eugênio de Lima.

Desde sempre, foi uma via de acesso e de ligação entre as regiões leste e oeste da cidade. Com os novos tempos, vieram os ônibus de longo percurso que por aqui passavam obrigatoriamente - por exemplo, os chamados “circulares” e o famoso Penha-Lapa. Linhas norte-sul a atravessavam por transversais como a rua Augusta e a avenida Brigadeiro Luís Antônio.

A majestosa construção da faculdade de medicina veio mais tarde, completada pelo grande complexo hospitalar das Clínicas. Hoje, esses centros de excelência médica se espraiam em dezenas de grandes hospitais que se estendem em seu entorno.

Nos anos 70, a Paulista foi fechada inteiramente de uma forma tão radical e agressiva como só poderia ser feita em tempos de ditadura. Obras devastadoras e de grande porte reduziram pela metade a dimensão de suas amplas calçadas. Era a vez dos automóveis ganharem espaço.

Na década de 90 veio o metrô, dando boas-vindas aos novos tempos dos transportes de massa e sem eliminar as antigas linhas de ônibus, que continuam interligando bairros distantes. Mais do que um centro financeiro, a Paulista progride como um local para serviços de todos os tipos, entre eles o da moderna economia criativa.

A avenida também é um espaço de grandes escolas e faculdades, além de abrigar o Masp, teatros, cinemas, espaços culturais, consulados com seus territórios estrangeiros e, em meio a toda essa diversidade, mantém milhares de famílias que vivem em mais de uma dezena de edifícios residenciais, conservando ainda sua vocação original.

Já no século 21, suas calçadas, que ainda continuam generosas, foram totalmente reformadas atendendo à solicitação das necessidades de acessibilidade plena exigida pelos modernos padrões internacionais. Nas pistas centrais, ônibus, táxis, automóveis e motocicletas movimentam centenas de milhares de pessoas que vêm de todas as partes da cidade e de outros Estados e países.

Opinião - Paulista - Bruno Santos/Folhapress - Bruno Santos/Folhapress
Fechamento da avenida aos domingos encontra resistência do Ministério Público
Imagem: Bruno Santos/Folhapress

Aos poucos, patins, patinetes, skates e bicicletas passaram a dividir ruas e calçadas ao longo da Paulista que, por fim, ganhou a mais moderna e generosa ciclovia da capital. Mais recentemente, tornou-se palco para os artistas de rua. A Paulista guarda ainda uma lembrança de mata original – no antigo Belvedere Trianon onde, hoje, se encontra o Masp – e mantém a tradicional corrida de São Silvestre, as festas de Natal e de Réveillon.

Na avenida-universo, a primeira Parada Gay se transformou na maior manifestação de igualdade de gêneros e da comunidade LGBT atraindo anualmente milhares de pessoas do nosso e de outros países, assim gerando grande incremento ao turismo e garantindo a total ocupação de hotéis localizados ao longo de sua extensão e entorno.

Para concluir, a “ágora da metrópole” se transforma quase que diariamente na praça do povo para manifestações livres de todas as diversas origens e formas de pensamento.

Assim, a mais paulista das avenidas jamais se fecha, nunca e a ninguém. É o coração materno e acolhedor da nossa cidade cosmopolita. Foi sempre a artéria vital para o pulsar cada vez mais frenético da nossa cidade. Não existe outro espaço que demonstre que São Paulo é uma cidade humana com tanta propriedade como a avenida Paulista. Não se pode fechar o que sempre esteve aberto, portanto o dilema abrir ou fechar não pode ser resolvido.

No meu tempo de estudante na USP, nos idos de 1964 a 1968, uma dicotomia como essa era própria de um pensamento dogmático e reacionário. Eram tempos do materialismo dialético, em que a verdade não se firmava sobre a luta de opiniões.

A verdade surgia da luta entre contrários cuja tensão emanava um terceiro momento. Esse não era um meio termo entre os dois polos opostos, nem resultado da aplicação de bom senso mas a criação de um terceiro novo conceito que, por sua vez, seria superado pelo aparecimento de seu contrário, criando então uma nova etapa de tensão: tese, antítese, síntese. Não mais Aristóteles mas Marx que colocou Hegel de cabeça para baixo.

Paradoxalmente, as mentes dos últimos tempos, que se dizem progressistas, ignoram esse princípio básico do pensamento e que deveria instruir suas tomadas de posição.

Fechar a avenida para veículos automotores com a finalidade de “tornar a cidade mais humana” é um pensamento baseado em mera opinião parcial, claramente excludente e gerador de uma contradição apenas ideológica, não baseada em fatos concretos.

A aparente contradição inicial se desmancha no ar e expõem apenas uma estratégia política primária. Não se pode abrir o que nunca esteve fechado. Porém, querem fechar para os automóveis, os ônibus, os táxis, as ambulâncias e as motos o que sempre esteve democraticamente aberto para todos.

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