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Ecologia erra ao insistir na preservação da natureza

Especial para o UOL

06/09/2015 06h00

A urgência de enfrentarmos a crise ecológica atual implica em desfazer falsos problemas. Um dos equívocos centrais da ecologia é a insistência na preservação da natureza. Se a natureza é instável e tende à desordem, de onde surge o projeto ecológico de preservar algo que, por definição, é impermanente?

O jardim está na origem dessa confusão. Todo jardim é separado do próprio entorno, constituindo um lugar ordenado. A fronteira entre seu interior e o mundo à volta pode ser demarcada por diversos artifícios, como cercas-vivas. O jardim também deve ser cuidado para que sua diferença em relação ao entorno seja mantida, caso contrário os elementos divisórios podem ser engolidos pela vegetação.

A China foi precursora no uso do jardim como instrumento social. Segundo a filosofia de Confúcio, observada por toda a burocracia imperial, a vida em sociedade devia ser enfrentada como uma obrigação. No entanto, o retiro para as montanhas era cultivado como ideal de vida contemplativa que aliviaria as atribulações da permanência em sociedade. Na impossibilidade de um retiro definitivo, construíam-se jardins que simulavam montanhas e a água de rios e lagos, imitando os locais naturais de contemplação.

As descrições dos jardins chineses chegaram à Europa nos séculos 17 e 18. Na Inglaterra, o pintor Kent foi o primeiro a adaptar as ilustrações de jardins chineses para uma propriedade local, criando um rio artificialmente curvo, em cujas margens foi plantada vegetação que simulava uma mata espontaneamente desordenada. No mesmo período, a família real britânica fez construir um lago artificialmente curvo no Hyde Park, inaugurado em 1733.

O Hyde Park foi aberto ao público ainda no século 18. Com o aumento da população proletária atraída pela Revolução Industrial, Londres abriu mais outros parques privados à visitação pública, considerados pelo governo como instrumentos de higiene e lazer. Esses dispositivos de política social simulavam locais naturais, mas o proletariado não tinha de fato relação direta com a natureza: apenas nos jardins artificiais havia contato com árvores, lagos e rios.

Napoleão III levou para Paris o modelo dos jardins urbanos londrinos como instrumentos de política social, construindo ou reformados parques que seguiam o padrão do jardim anglochinês. O sistema público de paisagismo gestado durante a reforma de Paris foi imitado por outras cidades que se industrializavam e enfrentavam novos desafios sociais de acomodar as classes trabalhadoras.

Na América do Sul, profissionais franceses criaram parques e o paisagismo urbano de Buenos Aires, Montevidéu, Santiago e Rio de Janeiro. Dessas capitais, o modelo de parque anglochinês avançou para outras cidades, e em São Paulo foi construído o Jardim da Luz.

No século 20, um dos principais adaptadores do jardim anglochinês para o modernismo foi o artista Roberto Burle Marx, reconhecido internacionalmente por seus canteiros sinuosos. Burle Marx foi também pioneiro na politização do discurso ecológico. Mas suas posições ecológicas são explicitamente preservacionistas, como se os biomas que ele transportava para suas obras fossem tão estáveis como um jardim.

O foco da ecologia é a preservação das condições de sobrevivência da espécie humana e não da natureza, pois essa independe dos humanos para continuar a sua trajetória na expansão incessante do universo.

As instituições de arte têm o dever de questionar essa confusão prejudicial ao debate ecológico, pois a arte está na raiz do mal-entendido. No Brasil, tal responsabilidade é imperativa, devido a nosso protagonismo internacional nos jardins e parques urbanos modernos.

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