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Já deve ter gente torcendo para que a Venezuela não se torne o Brasil

Especial para o UOL

07/09/2015 06h00

A Venezuela já vinha ocupando uma parte importante do meu tempo, desde o momento em que passei a integrar uma equipe internacional de advogados que trabalha em favor da libertação das dezenas de presos políticos que existem hoje naquele país. Devo confessar que passou a figurar no centro das minhas atenções depois do dia 18 de junho, quando um grupo de oito senadores brasileiros, membros da oposição venezuelana, o meu amigo de outras histórias Eduardo Saboia e eu próprio fomos violentamente hostilizados nas ruas de Caracas por cerca de duzentos manifestantes pró-governo.

Isso foi apenas um dos artifícios palacianos usados para impedir-nos de chegar até a prisão militar de Ramo Verde, onde se encontra há um ano e meio, praticamente isolado do convívio humano, o líder opositor Leopoldo López.

Como parte desse meu interesse e por ter a certeza de que não fomos até Caracas – segundo nota oficial divulgada pelo governo Maduro – "com o único propósito de desestabilizar a democracia venezuelana e gerar confusão e conflito entre países irmãos", não pude deixar de comparar os resultados das pesquisas de opinião divulgadas no último mês lá e aqui no Brasil e, sobretudo, não pude deixar de especular sobre o que as pesquisas feitas na Venezuela têm a ensinar a nós brasileiros.

O primeiro ensinamento vai para as fileiras governistas – maduristas e dilmistas – que espumaram o canto da boca dizendo que a visita dos senadores representou uma intromissão nos assuntos internos da Venezuela: segundo o Instituto Venezuelano de Análise de Dados (Ivad), 61% dos venezuelanos estão de acordo que personalidades internacionais visitem o país para pedir a libertação dos presos políticos. 

Feita tal observação, cabe a mim destacar as coincidências numéricas que saltam aos olhos nas pesquisas realizadas em ambos os países, mostrando que a balança de precisão que serve para pesar o caos pendeu quase imperceptivelmente uma vez em favor de Maduro e outra vez em favor de Dilma.

Enquanto a pesquisa do instituto Datafolha mostra que 71% dos brasileiros consideram que a presidente Dilma Rousseff está fazendo um governo ruim ou péssimo  - índice pior do que o dos antigos recordistas Collor, às vésperas do impeachment, e Sarney, nos últimos meses do seu governo -, a avaliação do governo Maduro é negativa para 70% dos venezuelanos. 

Para 68% dos venezuelanos, Maduro deveria deixar o poder (renunciando ou sendo afastado pelo mecanismo, previsto na Constituição venezuelana, do referendo revogatório). No Brasil, um percentual semelhante de pessoas apoia o impeachment da presidente Dilma. 

As pesquisas aqui e acolá mostram que hipotéticos embates entre governo e oposição, caso as eleições presidenciais acontecessem hoje no Brasil e na Venezuela, sempre resultariam na vitória da oposição.

No caso da nossa vizinha, até existe um número mágico: a Ómnibus confrontou Maduro – que pode concorrer indefinidamente a novos mandatos – com três outros prováveis candidatos à presidência e em todas as simulações o supremo mandatário bolivariano ficou estacionado em exatos 20%.

Henrique Capriles, Henri Falcón ou Leopoldo López venceriam as eleições com pelo menos 50% dos votos, o mesmo índice que teria Aécio Neves se concorresse com Lula hoje, segundo o Ibope. Na esteira do exemplo venezuelano, também aqui, nas outras duas simulações (contra Geraldo Alckmin e José Serra), Lula sairia derrotado.

Polarização do debate

Mais importante do que as coincidências numéricas talvez seja a possibilidade de transportar os exemplos vindos da pátria de Simón Bolívar para a realidade brasileira. Permito-me fazer esse tipo de exercício em razão das semelhanças claras que existem entre os atuais quadros econômicos e políticos do Brasil e da Venezuela. 

A primeira conclusão que se pode extrair da leitura das entrelinhas das duas pesquisas de opinião feitas na Venezuela é que o agravamento da crise econômica acaba por ofuscar o debate sobre a corrupção. Esse cenário que pode estar se desenhando por aqui também, já que 21% dos entrevistados pelo Ibope relacionam um possível impeachment da presidente Dilma com a corrupção, enquanto 31 % o relacionam à situação econômica.

Embora para 68% dos venezuelanos, segundo o Ivad, o governo Maduro seja corrupto ou totalmente corrupto, só 0,2 % consideram que a corrupção afeta diretamente as suas vidas e apenas 3,4 % a incluem entre os três principais problemas do país – desabastecimento, insegurança e alto custo de vida, nessa ordem, são os temas que mais preocupam os venezuelanos, observaram ambas as pesquisas.

A segunda é que o fato de ter muita gente pouco se lixando em participar das manifestações de protesto não significa que o governo esteja dando a volta por cima. Na Venezuela, 76% das pessoas, segundo a pesquisa Ómnibus, não estão dispostos a sair às ruas. Mesmo assim, a percepção negativa em relação ao governo Maduro só vem aumentando ao longo das séries de pesquisas de opinião. Já nas medições do Ivad 68 % dos entrevistados acham que a Venezuela está se transformando numa ditadura e 87% acham que as coisas estão caminhando na direção errada.

A terceira é a constatação que, embora 54% dos venezuelanos, de acordo com a Ómnibus, afirmem que vão votar na oposição ou em candidatos independentes nas eleições parlamentares de 6 de dezembro, nenhum dos candidatos oposicionistas testados – nem mesmo a própria Mesa da Unidade Democrática, que congrega os partidos de oposição – conseguiu passar uma impressão clara para o público de que está trabalhando pelo bem-estar do país.

A polarização excessiva do debate político na Venezuela (muito parecida com o “nós” e “eles” aqui do Brasil) pode estar levando o eleitorado daquele país a concluir que ainda não existe um candidato de oposição que tenha adotado um discurso verdadeiramente propositivo.

Especulações à parte, só sei que ao ler as pesquisas que vêm do lado de cima da linha do Equador não pude deixar de torcer para que o Brasil não se torne amanhã o que a Venezuela é hoje. Mas logo me penitenciei e me perguntei se não estaria olhando para o próprio umbigo, esquecendo que deve ter gente lá na nossa vizinha torcendo para que a Venezuela não acorde no próximo alvorecer com a cara do Brasil.

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