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Em crise, saúde tem que ser mais receptiva com setor privado

Especial para o UOL

29/09/2015 06h00

A nostalgia costuma ser um sentimento presente em quem já tem mais tempo de vida. É quase que inevitável sentir saudades do que passou e acreditar que o mundo em nossos anos de juventude era melhor. Talvez, se avaliarmos o corre-corre dos dias de hoje e a falta de tempo que acomete a todos que vivem nas metrópoles, essa visão nostálgica do passado tenha fundamentos. Porém, quando o assunto é a saúde, não há dúvidas de que o presente, apesar dos atuais problemas, é muito melhor que o passado.

Na década de 60, por exemplo, a maior parcela dos 70 milhões de brasileiros dependia do atendimento público. Somente os mais ricos tinham acesso a hospitais e clínicas privadas. Entretanto, já naquela época a esfera pública não conseguia atender a demanda existente.

Hoje, felizmente, o acesso à saúde privada está cada vez mais democrático. São mais de 50 milhões de pessoas com plano de saúde, benefício que fica atrás apenas da casa própria e da educação entre os maiores desejos do brasileiro.

É inegável que a iniciativa privada tornou-se um importante elo do sistema de saúde brasileiro. Os números não mentem. O braço privado responde por mais de 53% de tudo que é investido em saúde no Brasil. Para que se possa ter uma noção do que isso representa, nos principais países europeus, normalmente, o poder público responde por 70% dos recursos aplicados. Há aqui uma clara inversão de protagonismo.

Não à toa são mais de 1 bilhão de procedimentos realizados através dos planos, que respondem por 90% das receitas dos hospitais privados. Por outro lado, se ter um plano é prioridade entre a maioria da população, isso deve-se principalmente ao acesso e à qualidade do atendimento que a rede privada oferece.

Diante desse cenário, o crescimento e a sustentabilidade do segmento passam a depender de mudanças que proporcionem alternativas para o desafio do custo crescente em saúde. Entre os fatores que impõem essa realidade para o sistema, destacam-se o envelhecimento e a mudança do perfil clínico e epidemiológico da população, que demandam mais recursos e investimentos em tecnologia.

A partir dessa lógica, considerando que as pessoas com mais de 60 anos de idade representam hoje cerca de 12% da população do país –e até 2030 serão 19%, segundo dados do IBGE–, a utilização de serviços de saúde deve crescer. Enquanto o tempo médio de permanência no hospital de uma pessoa entre 30 e 44 anos é de 2,7 dias, na faixa de 60 a 74 anos essa taxa pula para 6,4 dias.

Arrisco-me a dizer que o sistema de saúde brasileiro está em crise e a solução para mudar essa realidade depende de todos os elos da cadeia. Diferente de outros setores da economia, a saúde é fragmentada, falta diálogo e vontade dos atores envolvidos para mudar esse cenário.

O debate sobre os gastos do setor, por exemplo, é central. Os encaminhamentos que a esfera pública e a iniciativa privada devem adotar no preparo de suas políticas e estratégias são fundamentais nesse processo, e os objetivos mandatórios devem ser:  propiciar a sustentação econômica do sistema, melhorar o atendimento ao beneficiário do SUS e da saúde privada, criar acessibilidade e gerar satisfação.

Planos de saúde

As mudanças necessárias poderiam começar, por exemplo, com um modelo de relacionamento menos perverso e mais adequado à saúde suplementar. De um lado, os hospitais têm observado uma crescente pressão das operadoras de planos de saúde pela redução de suas despesas assistenciais.

Essa tendência é identificada principalmente na defasagem de reajustes contratuais e no forte crescimento das despesas em relação às receitas nos últimos anos, segundo dados do Observatório Anahp 2015. Outro ponto que chama a atenção é o aumento dos valores não recebidos –ou seja, contas não integralmente pagas pelas operadoras de planos de saúde, que em 2014 impactaram significativamente o indicador de receita líquida nos hospitais. O prazo médio de recebimento dos hospitais também merece atenção especial, uma vez que ainda continua alto, com média de 78,7 dias em 2014.

Por outro lado, acompanhamos diariamente as operadoras de planos de saúde reclamando dos aumentos dos custos assistenciais. De acordo com dados do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), as operadoras alegam que os gastos com consultas, exames, terapias e internações cresceu 17,7% de junho de 2013 até junho de 2014.

Ou seja, todos estão insatisfeitos com a saúde no Brasil, e cada integrante da cadeia apresenta a sua versão para justificar os problemas enfrentados pelo setor. Não há dúvidas de que a rede hospitalar privada tem seu destino atrelado a uma saúde suplementar sustentável, e também não há dúvidas de que a saúde suplementar é pujante porque existem bons hospitais privados no país que são a base de sustentação do atendimento.

O setor da saúde deve ser analisado de maneira conjunta, com uma visão macro das dificuldades vivenciadas e, acima de tudo, vontade e disposição da cadeia para mudar esta realidade. A demanda continuará crescendo, os gastos continuarão aumentando e a viabilidade econômica do sistema será colocada cada vez mais em xeque se não nos unirmos para encontrar soluções viáveis para a saúde pública e privada brasileira.

Essa problemática do sistema de saúde é muito maior do que a briga de egos que acompanhamos diariamente. O cerne do problema está na falta de integração do sistema, envolvendo inclusive o setor público. Pela dimensão e pela complexidade da questão, a solução deve ser pensada e construída com a participação de todos –governo, agência reguladora, operadoras e prestadores de serviços de saúde.

Superar esse desafio e a partir daí construir uma nova matriz que atenda as demandas de cada um desses agentes é o desafio do momento para a saúde no Brasil. Só assim teremos a certeza de que não será a saúde a causa de nostalgia no futuro.

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