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Participação social legitima atuação de tribunais de contas

Especial para o UOL

09/10/2015 06h00

Em uma das entrevistas que concedeu antes do apreciação das contas da presidente Dilma, o relator do processo no Tribunal de Contas da União, ministro Augusto Nardes, definiu qual seria o critério balizador para a deliberação final da Corte. Falando a Felipe Moura Brasil, da revista Veja –que se “queixava” do prazo suplementar para a defesa de Dilma–, em 18 de junho, Nardes se disse limitado pelo princípio do contraditório, mas afiançou que o resultado estava condicionado a um único fator: “vai depender de a sociedade pressionar”, esclareceu.

Possivelmente, a frase foi incorporada pela Advocacia Geral da União na derradeira tentativa de obstruir um parecer desfavorável pelo TCU, arguindo a suspeição de Nardes –ainda que os representantes do governo tenham se incomodado mais com a adjetivação do voto, pelo relator, como um pronunciamento que “faria história”.

 Na verdade, o parecer foi histórico, a despeito da opinião do relator. Desde 1937 o TCU não reprovava as contas de um presidente da República –o primeiro foi Getúlio Vargas–, dando, assim, maior substância ao pedido de impeachment.

Os relatórios que instruíram o processo de apreciação das contas, elaborados por 14 auditores dos quadros técnicos do TCU, eram suficientemente robustos para instruir uma decisão de reprovação, em função das famosas, e injustificáveis, “pedaladas fiscais”. Mas o que teria levado Nardes, então, a sugerir que a sociedade pressionasse o TCU? 

Essa inusitada “sugestão” exige uma avaliação de outra ordem, muito além da alegada suspeição do relator. Afinal, como decidem os tribunais de contas no Brasil, e não apenas o TCU? A sociedade tem participado de suas decisões, de forma sistemática, ou é chamada quando se mostra conveniente para os tribunais?

Há quase dois anos, o Instituto Ethos, a Rede Nossa São Paulo e a Fundação Getúlio Vargas promoveram um debate intitulado “Tribunais de Contas, esses ilustres desconhecidos”. Participaram também conselheiros de tribunais de contas e integrantes do Ministério Público de Contas. As discussões se focaram, exatamente, na falta de diálogo dos tribunais de contas com a sociedade, nos sérios problemas de transparência e na delicada questão dos critérios de nomeação dos seus membros. A agenda de reforma dos tribunais de contas, no entanto, permanece paralisada no Congresso e não absorveu, ainda, os pontos críticos levantados naquele debate.

Assumindo que o ministro relator das contas de 2014 tenha admitido não propriamente uma pressão, mas uma interação maior da sociedade com o TCU neste momento crítico, seria preciso ressalvar: a participação social é importante, mas exige a observância de ritos. É preciso que os tribunais de contas se preparem para esse diálogo de forma organizada.

No Poder Judiciário, já é uma realidade: audiências públicas temáticas, consultas públicas, conselhos consultivos e, ainda, a possibilidade de intervenção direta dos atores representativos em processos de grande repercussão. Tudo isso pode oferecer maior legitimidade à atuação dos tribunais de contas.

Por outro lado, admitir que pressões sociais difusas determinariam o mérito de um julgamento seria um desvio comparável ao que foi identificado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ao anular a apreciação das contas de 1991 da ex-prefeita de São Paulo, Luiza Erundina. Neste caso, além de flagrantes violações ao contraditório e à ampla defesa, o Poder Judiciário apontou para uma inaceitável “desforra por motivações exógenas”, pois restou comprovada a articulação de membros do tribunal de contas com vereadores para defenestrar um ato de perseguição política contra a ex-prefeita.

Ao iniciar o seu voto, nesta última quarta-feira, pela rejeição das contas da presidente –acolhido unanimemente pelo plenário da corte–, Augusto Nardes novamente se referiu ao diálogo com a sociedade, propondo uma linguagem compreensível sobre as tecnicalidades que seriam enfrentadas pelo tribunal.

Usou, várias vezes, a expressão “pedaladas fiscais”, que, evidentemente, não consta da legislação orçamentária. Mas a pergunta, ao final é muito simples: o que teriam acrescentado à deliberação do TCU os prováveis milhares de e-mails e mensagens de redes sociais com pedidos de “rejeição a qualquer custo”, “a favor do impeachment”. Ou ainda, de outra banda, “Dilma é inocente”, “ela não sabia”, entre outras investidas contrárias ou favoráveis à presidente? Não estávamos a tratar, afinal, de pedaladas de Robinho em um Santos e Corinthians.

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