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Governo deve proteger mutuários da casa própria que perdem o emprego

Especial para o UOL

10/10/2015 06h00

Nos últimos anos, em virtude da flexibilização das regras de financiamento imobiliário, muitos brasileiros conseguiram realizar o sonho da casa própria. Havia oferta de crédito e facilidades apresentadas pelos bancos. Dentre elas: possibilidade de financiar a propriedade em até 100%, dar uma entrada pequena, taxas de juros mais baixas e liberação de crédito rápido. Agora, no entanto, com a recessão e o deficit governamental, a realidade do mercado imobiliário é bem diferente.

Hoje, quem pretende adquirir uma moradia terá que dispor de mais dinheiro para dar a entrada, tem de arcar com o aumento dos juros nas parcelas do financiamento, não tem mais a vantagem de financiar o valor integral do bem e, ainda, enfrenta uma burocracia maior dos bancos para conseguir acesso ao crédito. Isso sem falar na possibilidade de perder o emprego no curto prazo!

A instabilidade econômica e política que o país enfrenta atrapalha, e muito, a pretensão dos brasileiros que pretendiam comprar sua moradia. Os casos de corrupção, como o da Operação Lava Jato, o ajuste fiscal prometido que não foi cumprido, a projeção de encolhimento da economia neste ano, a inflação elevada e o aumento das taxas de juros e de impostos são os principais motivos que têm provocado o encarecimento do crédito e desestimulado o consumo. Consequentemente, comprometendo o retorno do crescimento da economia brasileira, sabe Deus até quando.

Mesmo os consumidores que já conseguiram comprar a casa própria estão sentindo os efeitos da economia repleta de incertezas. O que está acontecendo é que as famílias estão com dificuldade para continuar com o pagamento das parcelas do financiamento. Desemprego, diminuição de renda e empréstimo bancário negado –porque a renda do mutuário já não é suficiente no momento do recebimento das chaves do apartamento (devido à valorização da propriedade, por conta do INCC) – são algumas das situações que têm provocado o cancelamento do negócio, ou, em casos mais graves, até mesmo a perda de imóvel.

Para se ter uma ideia, das 2.142 queixas recebidas pela AMSPA (Associação dos Mutuários de São Paulo e Adjacências) no primeiro semestre de 2015, 30% delas foram relacionados à rescisão do contrato por causa de problemas financeiros. O momento do cancelamento da compra do imóvel, que poderia ser um alívio para o mutuário inadimplente, tem trazido muitas dores de cabeça. O que acontece é que a construtora quer reter um percentual bem acima do máximo permitido de 10% do valor já pago pelo dono do bem.

Já quem não tem a opção de pedir o distrato do bem por ter contratado financiamento bancário não tem tempo suficiente para tentar renegociar a dívida. Nos contratos feitos pelo Sistema Financeiro Habitacional (SFH), após o atraso de três prestações o dono do imóvel é notificado para realizar o pagamento. Já no Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), o aviso chega após 15 dias de atraso. Se não for realizada a quitação das parcelas, a propriedade será consolidada em nome do agente financeiro e o imóvel poderá ir a leilão extrajudicial, ou seja, sem passar pelo juiz natural.

Enquanto isso, as construtoras têm o prazo de tolerância, injustificável, de seis meses para entrega das chaves. Esse mesmo direito que deveria ser conferido ao adquirente, de modo a ter o mesmo “prazo de carência” para o cumprimento de suas obrigações quando enfrentar dificuldades financeiras. É uma questão de igualdade de direitos. Mas, lamentavelmente, a realidade é bem diferente.

Infelizmente, nessas situações, o mutuário não tem a proteção necessária, das regras governamentais, até que se recupere financeiramente e consiga arcar com as prestações. Porém, há duas exceções de planos habitacionais que ainda dão auxílio ao dono da propriedade nos casos de emergência. Quem escolheu financiar pela Cohab (Companhia Metropolitana de Habitação) e pelo programa “Minha Casa, Minha Vida”, pode aderir ao Fundo Garantidor Habitacional (FGH). Mas não há o mesmo seguro nas demais modalidades.

Para ter a cobertura do Fundo Garantidor é preciso ter renda entre 3 a 10 salários mínimos para receber a cobertura de até 36 prestações. Durante o tempo do auxílio, é necessário o pagamento mínimo de 5% das prestações, ter quitado ao menos seis prestações do contrato, comprovar situação a cada três prestações requeridas e estar adimplente nos meses anteriores.

Mas por que não incluir o benefício aos outros planos habitacionais? Esses compradores estão sendo afetados por imprevistos, alheios à sua vontade, e que estão comprometendo a sua renda. Que bom seria se eles pudessem ter acesso a essa proteção para evitar o aumento da dívida desproporcional que leva a rescisão contratual ou, o que é pior, a perda do bem em leilões.

Portanto, fica nítido que, neste país, sempre sobra para o lado mais fraco, no caso o mutuário. Que após conquistar a primeira moradia vê seus planos ruírem, de uma hora para outra, devido a problemas financeiros e não tem nenhum auxílio de se recuperar financeiramente e continuar o pagamento das parcelas da moradia.

Está mais do que na hora de nossos governantes acordarem e criarem mecanismos para que o sonho da casa própria não se afaste dos brasileiros. E, o mais importante: com o respaldo necessário para quando o adquirente enfrentar perda de renda.

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