Topo

Mário de Andrade abriu caminho para avanços na educação infantil

Especial para o UOL

17/10/2015 06h00

Há 70 anos, o visionário Mário de Andrade nos deixou, mas suas obras e heranças nunca nos permitiram deixar de celebrá-lo. Mário, que foi membro da Academia Paulista de Letras, crítico de arte, musicólogo e pesquisador, presenteou-nos com inúmeros textos sobre o direito à infância. Para ele, o que o fazia continuar seguindo em frente, apesar de alguns desencantos com o mundo, era a criança. Mário sempre dizia que quando o adulto se perdia, para se realimentar de esperança, deveria pensar nas crianças.

E foi pelas crianças, em sua defesa pela formação de “crianças-cidadãs”, que Mário de Andrade nos deixou uma herança que vai além dos brilhantes livros, da arte moderna, dos seus feitos como homem público, da sua multiplicidade artística, de sua humanidade. Dizia que a criança é “um ser sensível à procura de expressões”. Gostava de colecionar desenhos infantis, tão cheios de significados. 

E sonhou com um lugar fértil para todas as expressões, para a liberdade de ser criança. E fez. Há 80 anos, idealizou e criou espaços onde crianças pudessem ser e vivenciar tudo que poderiam para ter uma formação integral: os chamados parques infantis, “onde as crianças proletárias se socializam aprendendo nos brinquedos o cooperativismo e a consciência do homem social.”  

Mário era controverso, e fez de sua arte um grito de indignação pelo direito de todos à cidadania. Isso foi em 1935, quando era diretor do Departamento de Cultura da Cidade de São Paulo. Sua ideia abriu caminho para uma história de muitos avanços, lutas e desafios na educação infantil. Diziam, na época, que o profissional que trabalhava com bebês e crianças era menos importante, quase um patinho feio. Mal sabiam que o patinho era, na verdade, um cisne lindo, como na história de Hans Christian Andersen.

Em 1988, quando a Constituição Federal definiu a educação infantil como um direito, a criança deixou de ser sujeito de tutela pra ser sujeito de direito e, em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases consolidou o trabalho realizado por décadas na educação infantil, tornando-a a primeira etapa da educação básica. O brincar passou a ser a chave para o conhecimento e para a formação integral.

Oito décadas depois da inauguração do Parque Infantil de Mário, pesquisas e estudos já comprovaram o papel fundamental que os espaços educacionais para bebês e crianças têm, já que os estímulos, as trocas, as relações humanas e as emoções que chegam a essa criança determinam toda sua vida. Sabemos que os primeiros anos de vida da criança são a base das aprendizagens humanas, incluindo o desenvolvimento da linguagem e das demais competências simbólicas.

Hoje, temos uma pedagogia da infância, temos indicadores de qualidade que mostram se os caminhos escolhidos são bons para nossas crianças. Nossos professores têm formação contínua e são vistos como figuras centrais para o aprendizado, compartilhando experiências com os bebês e as crianças desde a primeira infância.

E o principal: seguimos na luta incansável para que todas as crianças da cidade de São Paulo tenham oportunidades. Uma cidade não pode adormecer tranquila enquanto houver crianças que não são cuidadas como deveriam. A construção de novas escolas e os novos atendimentos oferecidos por meio de parcerias são prioritários.

Há numerosas pesquisas internacionais que atestam a importância do cuidado nos primeiros anos de vida. É a arquitetura do cérebro em construção, são os estímulos que dão oportunidade às emoções e que ditam o bom alicerce de uma vida.

Nós, educadores, sabemos que o que determina a historia de uma pessoa são as oportunidades, as vocações humanas, o conviver. E os professores são geniais quando o assunto é a arte de educar e cuidar. Cuidar no sentido mais bonito da palavra. Paulo Freire nunca teve receio de falar sobre a boniteza do cuidar. Na primeira infância, a educação e o cuidado caminham juntos, de mão dadas, completando-se.

Valorizamos e nos orgulhamos do cuidado de nossos professores, semeadores persistentes, dedicados, fazedores. Temos consciência de que o oficio de educador é o ofício que dignifica uma cidade, um Estado, um país. Dignifica o mundo. Dá significado o aos gestos, aos sentimentos, às relações, à vida.

Mário de Andrade, no famoso poema “Quando eu Morrer”, expressou seu desejo de que cada parte de si ficasse em cada ponto da sua amada cidade de São Paulo. Eu diria que quem milita na infância dá continuidade a este feito. O professor deixa um pouco de si em cada ser que ajuda a formar! Permanece no outro! “Não tenho a mínima reserva em afirmar que toda a minha obra representa uma dedicação feliz a problemas do meu tempo e minha terra. Ajudei coisas, maquinei coisas, fiz coisas, muitas coisas!” Sim. Viva os 80 anos da educação infantil paulistana.

  • O texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL
  • Para enviar seu artigo, escreva para uolopiniao@uol.com.br