Eleitores devem ter o direito de revogar o mandato de políticos
A revogação popular de mandatos eletivos, também conhecida como recall, é um instrumento de democracia direta que permite a determinada parcela do eleitorado convocar consulta popular a fim de destituir de cargo representante eleito cuja atuação não seja mais aprovada pela maioria da população. Diversamente do impeachment, que exige o cometimento de crime pelo representante que se quer destituir, o recall pode ser motivado tanto por atos de corrupção como por ineficácia, desídia ou qualquer outro motivo que provoque a perda de confiança por parte do eleitorado.
O recall tem forte presença na história do presidencialismo norte-americano. A primeira previsão normativa sobre um mecanismo de revogação de mandato pelos eleitores nos Estados Unidos surgiu nas leis chamadas de General Massachussetts Bay Colony, em 1631.
Hoje, o instituto possui previsão em dezessete Estados da federação e em mais de mil municípios. Caso conhecido da aplicação do instituto no país ocorreu em 2003, quando o então governador da Califórnia, Gray Davis, foi destituído de seu cargo pelo voto de 55% dos eleitores do Estado, dando lugar ao novo governador eleito Arnold Schwarzenegger.
A revogação popular de mandatos eletivos foi objeto da Proposta de Emenda Constitucional nº 73/2005, oriunda da Ordem dos Advogados do Brasil, proposta no ano de 2005, contudo arquivada ao final da legislatura. Ela compõe o rol de mudanças propostas pela instituição em torno da realização de uma profunda reforma política no país, que busca aprofundar a democracia, inclusive instituindo ferramentas de participação política dos cidadãos. A OAB irá solicitar à Frente Parlamentar em Defesa da Advocacia que a referida PEC seja desarquivada ou proponha nova PEC com igual teor, com o fim de atender os interesses da sociedade.
Para realizar o recall, é comum que as legislações estabeleçam a exigência da assinatura de uma parcela razoável do eleitorado a fim de conferir legitimidade ao processo. Tal medida torna efetiva a Constituição no ponto em que consagra a soberania popular ao instituir em seu artigo inaugural que todo poder emana do povo, que pode exercê-lo diretamente.
Em toda a história constitucional brasileira, a população foi consultada diretamente por apenas três vezes, em 1963, 1993 e 2005. Isso demonstra a rara utilização de mecanismos de democracia direta como o plebiscito e o referendo, bem como uma cultura de participação direta da sociedade na vida política ainda bastante incipiente.
As organizações, os movimentos sociais e a sociedade civil em geral demandam novos espaços de participação, bem como seu reconhecimento enquanto sujeitos protagonistas das escolhas políticas. Contudo, sua atuação tem sido cotidianamente criminalizada e a população se vê desprovida de instrumentos que lhe permitam opinar diretamente em assuntos da vida pública.
Isso sem mencionar a forte influência do poder econômico sobre as eleições, que torna ainda mais abissal a distância entre as demandas sociais e a efetiva atuação política. É por essas razões que ao se falar em reforma política é necessário não apenas alterar regras eleitorais, mas ampliar a perspectiva para a criação de novas institucionalidades e o reconhecimento de sujeitos políticos emergentes.
A sociedade carece de instrumentos de controle e responsabilização dos governantes. O mandato envolve uma relação de confiança, em que uma pessoa entrega a outra a responsabilidade pelo exercício de determinada função. Ocorrida a quebra dessa confiança pelo descumprimento das atribuições delegadas, o mandante deve ter o direito de revogar o mandato.
O recall permite o controle dos mandatos diretamente pela população. A aplicação do instituto tende a evitar que representantes eleitos descumpram suas plataformas políticas e se desviem frontalmente dos princípios e propostas que os elegeram. A aplicação do instituto parte da compreensão lógica de que se todo poder emana do povo, o mesmo povo que elegeu determinado representante tem o direito de destituí-lo do cargo.
A instituição desse mecanismo agregaria o complexo sistema de freios e contrapesos existente no presidencialismo, fornecendo ferramentas de defesa no sentido de impedir a prática de governos inaptos, criminosos ou que atentem contra o próprio regime democrático e o estado de direito.
É preciso reconhecer as falhas de nossa democracia para aprofundá-la. A sociedade demanda seu reconhecimento enquanto sujeito político e a consequente criação de novos instrumentos que possibilitem sua participação direta na vida pública, a fim de que se possa devolver o poder aos seus verdadeiros titulares, o povo.
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