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Injustiçados, demitidos não têm culpa pela penúria da Santa Casa

Especial para o UOL

26/10/2015 06h00

Entender o que aconteceu dentro da Santa Casa nos últimos 12 meses é um desafio até mesmo para quem no interior dela se encontra. Há pouco mais de um ano, a Santa Casa eclodia nos noticiários com a anunciada divida de mais de R$ 800 milhões, herança deixada pela gestão anterior.

Muito aconteceu desde então: abraços, protestos, renúncia do antigo provedor, criação de associações médicas, eleições para diretoria clínica, posse de um novo provedor e a constatação de que –a despeito dos esforços de todos, incluindo administração, corpo clínico e funcionários– o estado de saúde da Santa Casa é crítico.

Hoje, convivemos com a dura realidade de um processo demissional coletivo de mais de 1300 funcionários, incluindo muitos médicos, necessários para o equilíbrio urgente das contas, segundo a atual administração. O impacto financeiro pode ser mensurado. O emocional não. Ele é intangível por natureza.

Qual colega de trabalho é dispensável? Qual é insubstituível? Quem teria a propriedade plena em fazer esse julgamento? São perdas de talentos irreparáveis. Muitos médicos, dentro da instituição, executam mais de uma função: realizam assistência aos pacientes, prestam o ensino aos alunos e aos médicos residentes –a Santa Casa possui uma das mais tradicionais faculdades de Medicina do país–, desempenham funções de gestão e têm projetos de pesquisa em andamento.

O trinômio "assistência, ensino e pesquisa", portanto, em muitos casos, é realizado por uma só pessoa. Seria como perder três profissionais e não um. Além disso, doutores são cada vez mais especializados, de forma que um médico não necessariamente terá a habilidade e o preparo para assumir a função do demitido.

Nesse processo, a Amesc-SP (Associação Médica da Santa Casa de São Paulo), ciente da real situação de penúria da instituição e do valor de seus médicos, buscou, frente ao sindicato dos médicos e frente à alta administração do hospital, atuar como mediadora nesse processo.

Falar em justiça, ao nosso ver, seria letra morta, posto que tudo se iniciou a partir de uma injustiça monumental: a Santa Casa tem uma dívida quase bilionária gerada, não por um desastre natural, mas por má gestão, e até o presente momento os causadores desse descalabro continuam impunes.

Para continuar a sobreviver, precisou cortar gastos, reduzir atendimentos e demitir. Para quem sai, a dor de que anos de dedicação, muitas vezes exclusiva, foram ceifados por algo com o que não tiveram a mínima culpa. Merecem nossa luta, nosso carinho e nosso respeito sempre.

Para quem fica, a difícil missão de seguir sem muitos de seus colegas, em uma casa que hoje pede misericórdia. Continuamos a ter esperança e a acreditar na idoneidade e no planejamento dos novos gestores, na capacidade de recuperação, na energia que emana dessa casa há séculos cuja missão sempre foi acolher ao mais necessitado.

A Santa Casa é como uma velha senhora, ao mesmo tempo sábia e teimosa, que contraria todas as probabilidades e mantém-se de pé. Embora tenha sofrido golpes imperdoáveis nos últimos anos, segue lúcida. Sabe quem lhe fez mal. Acredita na justiça e que pode servir de exemplo moral e ético, e não somente como um modelo de saúde, para este país. Acredita que é capaz de se reerguer e, um dia, novamente poder dar o devido valor a quem realmente forma o seu DNA: seus pacientes, seus médicos e seus funcionários.

É em respeito a todos eles que continuaremos a lutar, contribuir, doar, resistir, cobrar e agir.

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