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Chacina de Osasco não sensibilizou São Paulo

Especial para o UOL

27/10/2015 06h00

A chacina de Osasco, ocorrida há dois meses, não sensibilizou São Paulo. As cenas de homens mascarados executando friamente pessoas, a impressionante foto de um bar com o chão encharcado de sangue e a dor dos parentes das vítimas não causaram comoção pública, nem vozes de protesto.

Muito poderia ser dito sobre as causas dessa indiferença, tão presente nos dias de hoje no país inteiro. Alguém já falou em anestesia moral. Fala-se também sobre a categoria dos matáveis. Gente cuja morte não mobiliza a opinião pública, nem gera investigação e punição dos culpados. Negros e pardos que moram na favela ou na periferia das grandes cidades fazem parte dessa categoria.

Entretanto, não há a mínima dúvida de que algo foi decisivo para São Paulo não protestar contra crime tão absurdo. Justamente, o relato de uma das testemunhas oculares que disse ter ouvido um dos assassinos perguntar aos que se encontravam num bar: "Quem aí tem antecedente criminal?”. Houve quem dissesse, “eu tenho”.

Sinceridade que recebeu como prêmio uma saraivada de bala. Entre os que se tornaram vítimas da sua honestidade, havia um rapaz, de 31 anos, chamado Jaílton.

A história de uma vítima que não tinha antecedente criminal

Alguns dias atrás, saí do Rio de Janeiro e fui a Barueri conhecer a Antonia, mãe do Jaílton. Comovida ao ver na televisão as imagens da manifestação que havíamos feito no último dia 13 na avenida Paulista, na qual portávamos um cartaz com o nome do seu filho, decidiu nos procurar a fim de pedir ajuda, mostrando-se também disposta a dar vazão ao seu anseio por justiça.

Na sua casa de dois cômodos, na qual não há circulação de ar e o sol não entra, mora com o marido, a mãe de 81 anos e dois netos. Lá, tomamos conhecimento do que a morte do Jaílton causou na vida da sua família.

Não está sendo fácil para a Antonia cuidar do que sobrou. Forçada a tomar diariamente calmante, sujeita a desmaios frequentes e a crises de choro, além de cuidar da mãe, presa à cama por causa de um AVC (Acidente Vascular Cerebral), ela luta por ajudar seus netos a suportar a morte do pai.

São três crianças, de 2, 5 e 8 anos. O menino mais novo disse estar triste com Deus por não permitir que ele fale com o pai que foi para o céu. A menina, de cinco, costuma pegar o celular e ligar para o pai. O mais velho, com quem Jailton dormia abraçado quase que diariamente, revela muita revolta. Sente pânico quando ouve falar sobre polícia. “Vovó, a polícia está matando pessoas. Não podemos confiar nela”, falou outro dia. 

No meio da nossa conversa, fomos interrompidos pela avó, que de dentro do quarto, arrasada, disse: “Eu criei esse menino nos meus braços”.

Quem era o Jaílton? Antonia relata o prazer que ele tinha em ajudar pessoas. Em 2010, quando ela mesma sofreu um AVC e se tornou temporariamente cadeirante, ele pediu demissão do emprego para cuidar da mãe e a carregava no colo para levá-la à fisioterapia e ao médico. Jaílton era pintor, trabalhou quatro anos numa transportadora e como carregador num depósito de loja do comércio varejista.

Qual o antecedente criminal do Jaílton? Na verdade, ele não tinha antecedente criminal. Ele havia cometido um ato infracional, aos 17 anos, quando agrediu a namorada. Ela deu queixa e ele carregou o estigma. Seu maior receio sempre foi negar o fato numa blitz e sofrer as consequências de ser tido como mentiroso por um policial.

Essa foi apenas uma das muitas histórias que ouvimos essa semana ao visitar parentes de vítima e um sobrevivente da chacina.

Decidimos entrar na justiça cobrando do Estado de São Paulo o pagamento de indenização aos que sobreviveram ao massacre e aos familiares das vítimas da chacina. Gente pobre que hoje tenta se reerguer do crime cuja gravidade ainda não foi compreendida pelos moradores ou pelas autoridades públicas da maior cidade da América Latina.

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