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Com cobrança especial, Receita pune mesmo sem amparo na lei

Especial para o UOL

06/11/2015 06h00

A Receita Federal do Brasil implementou procedimentos especiais para a cobrança prioritária de dívidas tributárias por meio da portaria RFB 1.265/15, publicada em 4 de setembro. A Cobrança Administrativa Especial, nome dado ao conjunto de medidas e disposições previstas na portaria, abrange os tributos vencidos e exigíveis, cuja soma, por contribuinte, seja igual ou superior a R$ 10 milhões.

Aqueles que forem enquadrados nos termos da portaria serão intimados a regularizar imediatamente sua situação perante o fisco. Se não o fizerem, a Receita Federal terá à sua disposição mais de vinte tipos de penalidades para os devedores.

Dentre as dezenas de sanções previstas, destaca-se a exclusão do contribuinte de programas de parcelamento incentivados como o Refis, o Paes e o Paex. Outra penalidade importante é a comunicação a Agências Reguladoras, para que seja revogada a autorização para o exercício da atividade, no caso de haver concessão ou permissão para prestação de serviços públicos (estradas, aeroportos, comunicação etc.).

Além disso, os contribuintes intimados que não regularizarem as pendências indicadas estarão sujeitos à inscrição de seu nome no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal (Cadin). Com essas medidas, o fisco pretende utilizar-se de todos os instrumentos possíveis para cobrar os débitos no âmbito administrativo, evitando-se a demora e os custos inerentes à cobrança judicial do débito.

No entanto, apesar de a portaria reunir, em grande parte dos casos, punições que já existem, várias disposições ali presentes caracterizam evidente abuso do poder regulamentar por parte da secretaria da Receita Federal Primeiramente, além de uma mera notificação poder sujeitar o contribuinte a penalidades automáticas, a portaria estabelece, em redação pouco clara, a possibilidade de inserção dos sócios e responsáveis em programa especial de fiscalização.

Além disso, a exclusão de parcelamentos especiais como o Refis, exceto nas hipóteses previstas nas respectivas leis instituidoras, não encontra amparo. De fato, as leis que regem esses parcelamentos preveem uma série de requisitos para a exclusão do contribuinte, dentre eles a inadimplência consecutiva das parcelas por três meses, por exemplo. Por outro lado, essas mesmas leis não trazem a previsão de que o contribuinte não poderá ter outros débitos federais em aberto. Aliás, é comum que as próprias leis que instituem os parcelamentos facultem ao contribuinte a possibilidade de incluírem total ou parcialmente seus débitos em aberto no respectivo programa.

Em suma, referida portaria pretende conferir ao fisco meios coercitivos para exigir tributos sem o devido amparo em lei, o que vem sendo rechaçado pelo Poder Judiciário há décadas. A título exemplificativo, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou, pela súmula n. 70, ser “inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo", entendimento válido também em favor daqueles que tiverem o exercício de suas atividades ameaçado pela nova sistemática da Cobrança Administrativa Especial.

Diante da gravidade das penalidades impostas, vários contribuintes deverão socorrer-se do Poder Judiciário. Consequentemente, ao invés de evitar litígios, esta medida pode, na verdade, aumentar o número de discussões judiciais.

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