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Perigo de crise cambial é limitado, mas economia sofrerá turbulência

Especial para o UOL

10/11/2015 06h00

Que diferença faz um ano! Para um turista no Brasil, um prato de carne em um restaurante de primeira custava US$ 120 (sem bebidas) em outubro de 2014. Hoje, a mesma refeição custa aproximadamente US$ 65.

O real tem experimentado uma das depreciações mais dramáticas entre as moedas das economias emergentes ao longo dos últimos 12 meses. A boa notícia é que esse ajuste vai contribuir para o resultado da balança comercial e para a melhoria da competitividade internacional do país. Para uma economia que está em queda livre (contração esperada do PIB de cerca de 3% em 2015), esta mudança é mais do que bem-vinda, embora a baixa exposição da economia brasileira aos mercados internacionais implica que o impacto macroeconômico, na melhor das hipóteses, será moderado. A má notícia é que isso vai elevar as pressões sobre inflação e também impactar a saúde financeira das empresas que tenham obtido financiamentos no exterior.

Nos últimos dois anos, muitos países registraram movimentos significativos no valor relativo de suas moedas. Como destacado no recente Panorama Econômico Mundial do Fundo Monetário Internacional (outubro de 2015), essas movimentações têm frequentemente extrapolado o intervalo dos ajustes históricos registrados no caso das principais moedas da economia mundial. Entre os países industrializados, o dólar norte-americano e o franco suíço se valorizaram mais de 10%, enquanto o iene japonês se depreciou além de 30%, em termos reais, desde meados de 2012.

Muitas economias emergentes também tiveram significativa depreciação de suas moedas. O real –que foi identificado pelo Morgan Stanley, em 2013, como uma das “cinco frágeis” (juntamente com a lira turca, a rupia indiana, o rand Sul-Africano e a rupia da indonésia)– se depreciou mais de 35% em termos reais, desde 2014, contra uma cesta de relevantes moedas dos principais parceiros comerciais brasileiros. Com exceção da rupia indiana, as moedas do “clube das cinco frágeis” estão entre as de pior desempenho entre as economias emergentes nestes últimos dois anos.

Em grande medida, isso não deve ser uma surpresa. Esses países possuem deficit significativos em conta corrente, dependência de financiamento externo e, na maioria dos casos, dependem do mercado chinês em termos do dinamismo das suas exportações.

No caso do Brasil, os fatores econômicos de ajuste são bem conhecidos. Diante de um choque dos termos de comércio, refletindo o fim do “superciclo” das commodities, as autoridades monetárias brasileiras decidiram não resistir às pressões sobre o real, permitindo que a moeda se ajustasse automaticamente. Os fluxos financeiros também contribuíram para essas pressões, uma vez que a desaceleração da economia brasileira e a crise política em curso aumentaram a insegurança para investir no Brasil. As quedas na avaliação da qualidade do risco de crédito do país –primeiro pela Standard & Poor's e, mais recentemente, pela Fitch– reforçam estas tendências.

Moeda sob pressão

É irônico que o Brasil, que em 2010 chegou a alertar sobre os riscos de uma "guerra cambial" –refletindo preocupações sobre intervenções de  autoridades monetárias de vários países para limitar pressões altistas sobre suas moedas, visando favorecer resultados de comércio–, está agora liderando a competição em termos de tendências globais de depreciação. Em grande medida, esse é um processo liderado pelos mercados, mas, no caso brasileiro, há alguns fatores adicionais que o influenciam.

Primeiro, o atual impasse político associado ao cabo de guerra entre o Executivo e o Congresso, em meio às repercussões do escândalo de corrupção na Petrobras, não ajuda. A falta de credibilidade do Executivo e as iniciativas de alguns membros do Congresso têm aumentado significativamente o pessimismo sobre as perspectivas de recuperação da economia brasileira. Não existe apenas uma crise de governança, mas também uma crise ética.

Os políticos parecem ter caído na armadilha de Granovetter (termo inspirado pelo trabalho do sociólogo Mark Granovetter), em que cada "infrator" sente que suas ações antiéticas não são anormais, pois outros fatos já haviam se tornado públicos –por exemplo, aqueles envolvidos com o "mensalão". Em suma, a lógica da multidão parece estar levando o país para o menor denominador comum em termos de comportamento ético, na ausência de uma liderança em que se possa acreditar. Desnecessário citar que isso estimula a especulação contra o real.

Em segundo lugar, o ambiente internacional não ajuda. Isso vai além das implicações da redução do ritmo de crescimento chinês para o Brasil. Na realidade, a crise atual oferece outro exemplo do comportamento sob estresse de redes financeiras complexas.

O choque pode ser pequeno em termos macroeconômicos, como as perdas associadas ao escândalo na Petrobras, mas os danos colaterais podem ser substantivos, especialmente quando o ambiente externo sugere que no curto prazo ventos contrários adicionais afetarão o país (por exemplo, o possível aumento das taxas de juros nos Estados Unidos). Em suma, os mercados tendem a superestimar os ajustes futuros de uma moeda sob pressão.

Há, entretanto, um viés favorável. Como já mencionado, a depreciação do real impacta o comércio de bens e serviços de modo positivo. Na verdade, a desvalorização, combinada com um menor ritmo econômico, já levou a uma redução do deficit em conta corrente do Brasil em cerca de 30%, em comparação a 2014. Além disso, os ativos brasileiros estão se tornando cada vez mais atraentes para investidores estrangeiros.

Em resumo, o perigo de uma crise cambial em um futuro próximo é limitado. Mas a crise econômica e o destino do real continuarão a ser afetados pelo imbróglio político. Em outras palavras, mais turbulência à frente.

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