Topo

Fórmula 85/95 é alternativa imperfeita ao fator previdenciário

Especial para o UOL

21/11/2015 06h00

A Lei nº 13.183, recentemente sancionada, flexibilizou o fator previdenciário, que deixa de incidir sobre o valor das aposentadorias daqueles que, somados idade e tempo de contribuição, alcançam 85 anos (mulheres) ou 95 anos (homens), com ao menos 35/30 anos de contribuição. Trata-se da chamada “fórmula 85/95”.

O fator previdenciário foi criado como uma alternativa imperfeita decorrente do fracasso em aprovar a idade mínima na reforma previdenciária de 1998. Em 177 países, apenas 13 não estabelecem idade mínima de aposentadoria. Nenhum deles é referência em boas práticas previdenciárias. O objetivo do fator previdenciário foi ajustar o valor do benefício em função do tempo de contribuição do beneficiário e de sua expectativa de vida. Quanto menor o tempo de contribuição e maior a expectativa de vida, menor o valor do benefício. A aprovação da fórmula 85/95 (que progredirá lentamente até se tornar 90/100 em 2027) nos coloca na estranha situação de adotarmos uma alternativa imperfeita (a fórmula 85/95) para algo que já era uma alternativa imperfeita (o fator previdenciário).

Infelizmente, essas alterações não levaram em conta dois elementos centrais para a análise da situação do Regime Geral de Previdência Social (que cobre os empregados da iniciativa privada). O primeiro deles é que as aposentadorias por tempo de contribuição (sobre as quais incide o fator previdenciário) são precoces: as mulheres se aposentam aos 52 anos de idade e os homens aos 55 anos. O segundo deles: os gastos previdenciários no Brasil são absolutamente incompatíveis com nossa estrutura demográfica.

A adoção da fórmula 85/95 cria o estímulo para que os segurados permaneçam por um pequeno tempo a mais contribuindo, recebendo por isso um valor desproporcionalmente maior no seu benefício. Tomemos um exemplo de uma mulher com 52 anos de idade e 30 anos de contribuição. Caso ela permaneça contribuindo até os 53,5 anos (aposentando-se, portanto, ainda precocemente) poderá se aposentar sem o ajuste feito pelo fator previdenciário, com benefício de valor quase 60% maior. Esse benefício será usufruído ao longo de quase 30 anos. Em outras palavras, a adoção da fórmula 85/95 não aumentará substantivamente a idade de aposentadoria, mas representará um claro aumento das despesas previdenciárias.

O problema é que os gastos já estão em patamar muito elevado e têm trajetória preocupante. Apenas o Regime Geral tem custo de 7% do PIB, com previsão de 15,9% em 2060 (segundo informações da Lei de Diretrizes Orçamentárias anteriores a fórmula 85/95). Quando se leva em conta as aposentadorias dos servidores públicos e não contributivas (BPC/LOAS), o país gasta hoje 12% do PIB. Em geral, países com esse nível de despesa possuem mais de 25% de idosos em sua população. Mas, no Brasil, os idosos são apenas 13,7% da população.

Outro problema é que esse aumento de gastos não será destinado aos mais pobres, pois estes têm trajetória contributiva muito incerta e raramente se aposentam por tempo de contribuição. Eles se aposentam por idade, aos 60 anos (mulher) ou 65 anos (homens) ou recorrem ao benefício assistencial (aos 65 anos, para ambos os sexos). Ou seja, para os mais pobres a idade mínima para aposentadoria é uma realidade.

A atual medida afeta apenas os trabalhadores com trajetória contributiva estável –em geral, mais escolarizados e com maiores rendimentos, que se aposentam por tempo de contribuição. O aumento dos gastos decorrente da Lei n° 13.183 alcançará principalmente os 50% mais ricos e se concentrará nas regiões Sul e Sudeste, as mais ricas do país. Em outras palavras, esse aumento de despesa concentrará renda, em um país que, apesar dos avanços recentes, segue sendo um dos mais desiguais do mundo.

A lenta progressão da fórmula 85/95, que alcançará 90/100 no distante ano de 2027, não melhora em quase nada a situação. Precisamos ser enfáticos: a trajetória dos gastos com o fator previdenciário já era preocupante. Piorar essa trajetória, como foi feito pela Lei nº 13.183, torna o quadro ainda mais temerário.

Essas despesas não serão pagas pela geração que está próxima da aposentadoria. Em um regime previdenciário de repartição, como o brasileiro, os benefícios dos aposentados são pagos por aqueles que estão em fase de contribuição. Em outras palavras, são aqueles que estão nas primeiras fases de contribuição que terão que contribuir, no futuro, com alíquotas muito mais altas que as atuais (ou com uma carga mais elevada de impostos gerais) para pagar os benefícios daqueles que se aposentarão precocemente.

É fundamental que a sociedade brasileira comece a entender que as decisões presentes a respeito da Previdência Social podem gerar custos elevados para as gerações futuras. A fórmula 85/95 não foi uma boa alternativa, porque aumentará o gasto e é regressiva. Uma opção melhor seria o estabelecimento da idade mínima para aposentadoria, que deveria entrar em vigor o quanto antes. Trata-se de medida necessária para melhorar a sustentabilidade previdenciária no médio e no longo prazos e garantir a manutenção do sistema que é a única fonte de renda de milhões de idosos do país.

  • O texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL
  • Para enviar seu artigo, escreva para uolopiniao@uol.com.br