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Diálogo de um estudante brasileiro com Adam Smith

Especial para o UOL

22/11/2015 06h00

Novato – Professor, estou muito preocupado com o Brasil, sobretudo com o que pode acontecer na economia.

Smith – É mesmo? Por quê? O Brasil é tão lindo, tão promissor.

Novato – O atual governo tem cometido erros inimagináveis: descontrole das contas públicas, política monetária anacrônica, política setorial a conta-gotas, contas externas deteriorando, corrupção generalizada. Ai, ai, tudo ao contrário. E ainda por cima dizem que é em nome do emprego e para proteger os mais pobres contra a “elite” e o “imperialismo internacional”, enquanto todos sabemos que os menos favorecidos sempre sofrerão primeiro a consequência econômica desses erros.

Smith – Hum, sei.

Novato – Ainda por cima, um numero grande de economistas heterodoxos desorientados circunda as esferas do poder, enquanto nosso ministro da Fazenda, o Levy, mais parece um estranho no ninho.

Smith – Kkkkkkkkkk... ai, ai. Rindo alto... Funny, indeed.

Novato – Mestre, o que eu faço com essa turma?

Smith – Nada. Laissez-faire, laissez passer.

Novato – Como assim?

Smith – Quem colocou esse pessoal no poder?

Novato – Foi a maioria do povo, através de eleições diretas.

Smith – Se é voto direto, sem fraude e não houver base sólida para impeachment, então não tem o que fazer, a não ser votar no que você individualmente acredita e conduzir o seu negócio da melhor maneira possível. E com muita determinação. Será que você nunca entende o que é a Mão Invisível? A somatória dos interesses econômicos individuais é soberana mesmo que você concorde ou não num curto prazo. Pode demorar, mas a Mão Invisível sempre prevalecerá. Você já esqueceu da palhaçada do Marx e o fiasco da União Soviética e de todos os seus filhotes bastardos da América Latina? Além disso, hoje em dia existem poucos países mais capitalistas do que a China “comunista” e nenhum welfare state mais bem-sucedido do que o dos países que adotaram o modelo nórdico-escandinavo, uma mistura de economia de mercado com estado social.

Novato – Francamente, esse negócio de esperar a ação da Mão Invisível é frustrante.

Smith – Olha, talvez não demore tanto quanto você pensa. Veja os próximos passos, já que você parece não lembrar das minhas aulas:

1) Consumo a qualquer custo, descontrole fiscal, falta de investimentos e de transparência causam estagnação econômica com inflação acima do centro da meta.

2) O modelo de crescimento pelo consumo se esgotou. Seja burra ou inteligente, a equipe econômica já aumentou os juros reais e mais cedo ou mais tarde deverá tomar ações para fomentar investimentos, limpar as manobras contábeis, ficar de bem com a comunidade financeira internacional e cortar gastos públicos.

3) Inicialmente, isso pode desacelerar ainda mais a economia e gerar desemprego e aperto do crédito que são inevitáveis - além de já estarem ocorrendo neste momento. Para ter minimizado esse impacto, os ajustes já deveriam ter sido feitos em anos anteriores. Mas ainda não existe máquina do tempo para voltar ao passado.

4) Retomada a confiança, rapidamente os juros voltam a patamares mais baixos, inflação sob controle, se possível com um centro de meta civilizada de 3%.

5) O emprego é retomado com uma faixa bem maior do que os pífios 52% de utilização atual da mão-de-obra economicamente ativa.

6) O capital começa a fluir mais livremente e as contas externas voltam a recuperar sua força, a economia reage, o crédito e a renda per capita voltam a se fortalecer, os projetos estruturantes de longo-prazo são retomados.

Novato – Mas e se os ajustes que o senhor sugere não forem feitos?

Smith – A Mão Invisível dará cabo dos procrastinadores. O povo que elegeu esse grupo irá sentir na pele, no seu dia a dia, as consequências econômicas do populismo estatal a fundo perdido, da hiperinflação, do desemprego e do aperto do crédito. E na ausência de um golpe totalitário, as urnas vão responder inequivocamente, mesmo que mais da metade da população seja composta por analfabetos funcionais.

Novato – Não sei, me parece pragmático demais.

Smith – OK, whatever, meu filho. Agora você me dá licença que eu vou jogar xadrez com o Marx.

Novato – Com o Marx? Pensei que o seu adversário preferido fosse o Keynes?

Smith – Tem razão meu caro. Mas nos últimos anos, desde a crise de 2008, eu tenho perdido algumas partidas para o Keynes, o que temporariamente diminuiu minha autoestima. Com o Marx sempre é certeza de vitória.

Novato – Ah, entendi.

Simth – Godspeed, meu caro novato.

Novato – Até logo, mestre.

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