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Terror em Paris coloca o espectador no lugar do espetáculo

Michel Euler/Associated Press
Imagem: Michel Euler/Associated Press

Especial para o UOL

24/11/2015 06h00

Enquanto terroristas circulavam por Paris atirando em quem cruzavam pelo seu caminho, na noite da sexta-feira 13, no Stade de France o público assistia ao jogo França e Alemanha sem saber o que acontecia. Apenas os assessores do presidente francês François Hollande (que foi retirado às pressas do local) e dos seguranças que tinham impedido a entrada dos homens bomba que acabaram se explodindo nos arredores do estádio, ninguém tinha ideia do que estava se passando do lado de fora.

As explosões foram ouvidas mas, por um milagre, o jogo continuou sem incidentes até o fim. Sem sinal nos celulares, o pesadelo para pessoas que estavam no lugar só começou quando o árbitro apitou o final do jogo. Os espectadores foram convocados para o gramado e avisados do que se passava.

O fotografo Michel Euler teve o sangue frio de ficar nas últimas fileiras do estádio e registrar o momento. O público –pequenas silhuetas coloridas– no gramado, as luzes acesas, os assentos vazios. Pela distância não se pode ver a reação dos rostos, mas uma coisa é certa: ninguém corre. Parece existir uma expectativa. Pode ser uma perplexidade. E uma calma, a calma antes da tempestade.

O Stade de France, construído para a Copa 1998, aquela,  fica em Saint- Denis. Uma caminhada de 15 minutos a pé é o que separa o estádio da Basílica, situada ao borde do Parc de la Légion d’Honneur, monumento nacional francês que foi a primeira igreja do período gótico a ser construída. Nada mais e nada menos que 34 reis da França foram enterrados lá.

O bairro cresceu, originalmente, como uma cidade. Lugar de peregrinação. Porém, o crescimento de Paris absorveu a área e a transformou em um subúrbio que se degradou, como acontece frequentemente nas grandes cidades. Com o tempo, o adjetivo “barra pesada” foi adicionado a qualquer menção do lugar. O distrito de Seine-Saint-Denis concentra as sete cidades mais violentas da França, e Saint-Denis é a primeira colocada no ranking. É, também, a mais violenta da Europa.

Naquela noite, os terroristas circularam por meia hora pelas ruas de Paris atirando em quem cruzavam. Cinco dias depois o grand finale aconteceu, em uma espécie de looping macabro, justamente em Saint-Denis. Três terroristas, sendo um deles o mentor da ação toda, encurralados pela polícia, se explodiram em um apartamento do bairro.

Por ironia do destino, uma das tumbas mais visitadas na Basílica, lá perto, é a de Carlos Martel (e Martel, em francês, significa ‘martelo’). Ele foi o rei que no ano de 732, na batalha de Poitiers, derrotou o exército do Califado de Umayyad, que depois de ter atropelado os espanhóis na península Ibérica, a partir da Andaluzia (Al-Andalus), subia a todo galope disposto a tomar o resto da Europa.

O público que na sexta-feira se concentrou na gramado do Stade de France, antes de tentar voltar para casa, com certeza não tinha a dimensão dos acontecimentos. Por isso, talvez, não se deu conta de que essa inversão de papéis, com os espectadores ocupando o lugar do espetáculo e as cadeiras dos espectadores vazias, era um perfeito espelho do que estava para acontecer. O mundo ficou de cabeça para baixo.

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