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Regimes como o de Maduro estão com os dias contados

Especial para o UOL

08/12/2015 06h00

Milhões de venezuelanos foram às urnas neste domingo. Com 96% dos votos apurados, os partidos de oposição que compõem a Mesa da Unidade Democrática (MUD) garantiram a maioria absoluta das 167 cadeiras da Assembleia Nacional e ainda sonham, faltando 22 assentos para serem contabilizados, com a maioria qualificada que lhes permitirá, por exemplo, promover uma ampla reforma constitucional. 

Engana-se, no entanto, quem pensa que todas as fichas foram apostadas quando o eleitor tocou a tela touchscreen da urna eletrônica. As eleições na Venezuela tiveram início muito tempo antes, com uma sucessão de eventos que quase inviabilizaram o processo que teve o seu clímax neste domingo.

Começo pelo começo: em 18 de fevereiro do ano passado foi preso o líder oposicionista Leopoldo López, que nada mais fez do que convocar a população para participar da manifestação que ocorrera seis dias antes em Caracas. Foi acusado até pelo crime de incêndio a edifício público.

Um mês mais tarde, em 19 de março, foi preso Daniel Ceballos, prefeito de San Cristóbal, a cidade onde irromperam as grandes manifestações populares do ano de 2014. O mandato de Ceballos foi cassado no dia da prisão, e o oposicionista foi acusado de rebelião e associação criminosa. 

Cinco dias depois foi a vez da deputada María Corina Machado sentir a mão pesada da ditadura venezuelana. María Corina foi acusada de usar a cadeira da delegação panamenha na OEA para falar em nome da oposição venezuelana e, em razão disso, foi-lhe cassado o mandato parlamentar. Mais tarde, foi acusada de conspirar para assassinar o presidente Nicolás Maduro. Em razão dessa última acusação foi proibida de viajar para fora do país, o que fez com que interrompesse o ciclo de viagens que vinha fazendo para denunciar as sucessivas violações de direitos humanos na Venezuela.

Em 19 de fevereiro deste ano quem acabou preso foi o prefeito Metropolitano de Caracas, Antonio Ledezma. A explicação dada pelo governo venezuelano foi a de que Ledezma teria participado de uma tentativa de golpe contra o presidente Nicolás Maduro. 

No dia 10 de setembro deu-se a conhecer a sentença condenatória de Leopoldo López: 13 anos, 9 meses, 7 dias e 12 horas de prisão. Uma pena a ser cumprida no presídio militar de Ramo Verde, onde já se encontra em total isolamento há mais de um ano e meio e onde recebe semanalmente a visita da esposa Lilian Tintori, que é sempre obrigada –para dizer o mínimo– a tirar a roupa, e dos filhos pequenos Manuela e Leopoldo Santiago, cujas carinhas inocentes são depois exibidas em rede nacional de televisão pelo presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello.

Há duas semanas, o dirigente oposicionista Luis Manuel Díaz foi assassinado no interior do país, quando participava de um ato político ao lado da mulher de Leopoldo López. Especula-se, o que é razoável, que os tiros foram dirigidos a ela ou que o objetivo era intimidá-la.

Muito antes do atentado, o arranjo das circunscrições eleitorais havia sido modificado de forma a viabilizar a eleição de um número maior de candidatos governistas.

A imprensa foi oficialmente censurada. As palavras da presidente do Tribunal Supremo de Justiça, Gladys Gutiérrez, impondo censura ao periódico El Nacional dão a medida exata do grau de subserviência a que chegaram as instituições naquele país. Para a magistrada, interesses espúrios alimentados por forças vindas do exterior (o velho mantra repetido à exaustão pela esquerda bolivariana de que a culpa é sempre do Tio Sam) "têm contado com lamentáveis respaldos divulgativos" da mídia venezuelana. Tive a oportunidade de receber aqui no Brasil o editor do jornal, Miguel Henrique Otero, que se encontra hoje exilado na Espanha, e ouvir a sua história.

Brasil de boca fechada

A perseguição sistemática de opositores e a censura à imprensa foram duramente condenadas pela comunidade internacional, merecendo pronunciamentos de organizações internacionais e não governamentais, de chefes e ex-chefes de Estado e de Governo, de laureados com o Prêmio Nobel e de muitas outras personalidades.

No entanto, o Brasil se manteve de boca fechada. Nosso governo adotou um discurso burocrático em relação ao descalabro na Venezuela. Em nenhum momento houve uma declaração mais firme, exortando o governo Maduro a libertar as dezenas de presos políticos que existem hoje naquele país. Lilian Tintori tentou várias vezes ser recebida pela presidente Dilma Rousseff. Ouviu em cada uma das suas investidas, quando houve resposta, um não.

Reação mais inusitada foi a de 18 de junho, quando uma comitiva de oito senadores brasileiros, liderada pelos senadores Aécio Neves e Aloysio Nunes, viajou à Venezuela e o ônibus em que estavam foi cercado por um grupo enfurecido de manifestantes chavistas. A presidente Dilma avaliou que a viagem dos parlamentares, feita em caráter oficial, resultou em interferência indevida nos assuntos internos da Venezuela, criando "constrangimento" para o seu governo.

 O silêncio brasileiro também imperou quando Nelson Jobim –indicado pelo nosso Tribunal Superior Eleitoral– foi vetado pelo governo venezuelano como chefe da missão de observadores internacionais da Unasul, a única organização autorizada pelo governo venezuelano a acompanhar as eleições parlamentares deste domingo.

Coube a Mauricio Macri, num pronunciamento feito logo após ter sido eleito presidente da Argentina, quebrar o silêncio –o que inclui o silêncio do Brasil– e assumir um protagonismo regional que, pelo menos enquanto Dilma estiver no poder, não vai ser nosso. Macri foi claro no sentido de que as constantes violações de direitos humanos na Venezuela justificariam a aplicação da cláusula democrática do Mercosul, o que em síntese pode levar à expulsão da nossa vizinha do bloco econômico (algo com o que a nossa presidente não concorda, tomando por base o que declarou faz um par de dias).

O presidente do Paraguai, Horacio Cartes, se juntou ao futuro colega argentino. Na semana passada, quando estive com Lilian Tintori em Assunção, ouvimos de Cartes que, se em um lugar não há democracia, deve-se dizer que ali não há democracia, e pronto e acabou. Fiquei surpreso com o pragmatismo contido nas palavras do mandatário paraguaio. Afinal, todas as vezes que falei com a gente do nosso governo sobre a evidente quebra da ordem democrática na Venezuela sempre recebi como resposta um caminhão de elogios às “conquistas sociais” do regime chavista.

Mesmo com todos esses percalços de natureza interna e externa, três quartos dos eleitores venezuelanos foram às urnas e expressaram o seu desejo de mudança, muitos deles eleitores chavistas convertidos pela realidade nua e crua do desabastecimento, descontrole da economia e insegurança que reina no país.

Não obstante isso, ainda há um longo caminho pela frente, especialmente porque o regime dispõe de mecanismos nos outros quatro poderes da República para continuar e mesmo ampliar o controle sobre as instituições, inclusive promovendo o esvaziamento da própria Assembleia, algo que será mais difícil se a oposição conquistar a maioria qualificada.

Mas é inegável que uma nova ordem aponta para o fato de que regimes como o de Nicolás Maduro estão com os dias contados. Talvez até a data de validade, no caso do presidente venezuelano, já esteja escrita no rótulo: o tamanho da vitória da oposição pode estar sendo eclipsado pelo comentado rearranjo das circunscrições eleitorais e não me surpreenderia que o número de votos nominais nos candidatos da oposição represente algo como 80% ou mais dos que foram às urnas ontem, o que pode ser determinante para o sucesso de um referendo revogatório para tirar Maduro do poder já no próximo ano.

Os ventos que sopram do sul e que ainda encontram no Brasil uma barreira vão certamente conseguir atravessar a linha equatorial e ajudar a renovar os ares na Venezuela. No seu caminho, consigam ou não penetrar em terras tupiniquins, esses ventos têm obrigatoriamente de passar pela Bolívia e pelo Equador. Oxalá tenham força para soprar bem mais além, alcançando a América Central e o Caribe.

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