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Com Acordo de Paris, Brasil tem lições de casa de sobra

Especial para o UOL

21/12/2015 07h56

Após duas décadas de avanços lentos em negociações, no último dia 12 de dezembro a ONU finalmente chegou a um acordo que marca uma mudança de era e uma nova forma sobre como governos de todo o mundo enfrentam o desafio das mudanças climáticas.

Apesar de ter imperfeições, o Acordo de Paris aponta claramente para o fim dos combustíveis fósseis, como o petróleo e o carvão, que são as principais causas do aquecimento global por emitirem enorme volume dos chamados “gases de efeito estufa”. Temos em mãos uma importante ferramenta para nos levar a um mundo com 100% de energias renováveis, e que também fortalece apelos para zerarmos o desmatamento e promovermos uma agricultura menos predatória, outras duas grandes fontes do problema.

Assinado por 195 países, o Acordo de Paris nasceu histórico por ser a primeira vez em que todos assumiram compromissos conjuntamente. Para o longo prazo, a meta estabelecida é a de neutralizar emissões de gases de efeito estufa na segunda metade do século, e buscar não ultrapassar 1,5°C de aquecimento global (com relação à média de temperatura anterior à Revolução Industrial). Ir além disso, geraria graves consequências –e, vale lembrar, já aquecemos a Terra em 0,8°C.

Para o curto prazo, há a definição de que governos devem rever suas metas e elevar a ambição delas a cada cinco anos, tendo em vista que os compromissos nacionais já apresentados são insuficientes para superar o desafio. O que mais importa, contudo, são as transformações concretas que acontecerão em cada país tendo como base esse acordo. E, para o Brasil, há lições de casa de sobra.

Sobre a energia, para cumprir a meta de neutralizar emissões na segunda metade do século e evitar um aquecimento global superior a 1,5°C, é preciso, na prática, zerar o consumo de combustíveis fósseis até 2050. Isso é plenamente possível, como mostra o relatório Revolução Energética do Greenpeace.

Ainda assim, nosso governo federal aponta na direção oposta ao indicar que 70% dos investimentos em energia ao longo da próxima década devem ir justamente para esses combustíveis. É preciso, urgentemente, inverter a prioridade do setor e focar na expansão das energias solar e eólica.
O setor de transportes,  que atualmente registra  o maior aumento de emissões,  precisa de uma forte priorização no transporte público e medidas que incentivem os cidadãos a trocarem seus carros por veículos coletivos ou não-motorizados.

Já em relação à proteção das florestas, também há muito a fazer. O desmatamento ainda é a principal fonte de emissões de gases de efeito estufa no Brasil. E, após avanços importantes no combate a esse problema, especialmente ao longo da década passada, o progresso estagnou. A cada ano, ainda perdemos cerca de 6 mil quilômetros quadrados só na Amazônia.

Após a aprovação do novo código florestal, em 2012 e que é mais permissivo a desmatadores, estamos vivendo o risco do desmanche da legislação que regula as demarcações de terras indígenas. Essas demarcações, que têm um importante papel social, também são reconhecidamente  a medida mais eficaz de proteção a florestas.

Em vez de dizer à ONU que irá tolerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030 –e por prazo indefinido em outras biomas–, como fezno contexto do Acordo de Paris, o governo brasileiro deve não só cumprir a lei com urgência como também reforçá-la. Recentemente, 1,4 milhão de brasileiros apresentaram ao Congresso apoio a um projeto de lei popular pelo desmatamento zero. Esse chamado precisa ser ouvido.

Na agropecuária, outro setor chave para a questão climática no Brasil, a intenção de promover maior eficiência com relação a emissões de gases de efeito estufa ainda não é acompanhada de investimentos adequados. Os recursos recebidos pelo Programa Agricultura de Baixo Carbono, por exemplo, representam menos de 2% do total destinado pelo governo federal à agropecuária e ainda sofreram cortes em 2015.

O Acordo de Paris é um marco histórico e nos traz um sopro de esperança. A parte mais difícil do trabalho, no entanto, está apenas começando. Nossos governos já demoraram muito para levar a questão das mudanças climáticas a sério. No Brasil, o caminho a ser seguido é claro e as medidas a serem tomadas, além de viáveis, serão benéficas à população e à economia. Não há tempo a perder.

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