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Dinheiro desviado por corrupção pagaria quatro ajustes fiscais

Especial para o UOL

27/12/2015 06h00

Dizem que o brasileiro sempre fez vista grossa para a corrupção, aceitando-a como algo cultural e preocupando-se com temas mais importantes, como saúde, educação e segurança pública. As manchetes de corrupção sempre inundaram os cadernos de política, mas o cidadão parecia anestesiado, acostumado e sempre descrente de que algo diferente poderia acontecer contra a impunidade, que também é cultural. Esse era, e talvez continue a ser, nosso status quo.

Vieram o mensalão, os movimentos cívicos de rua, a Lava Jato, muitas prisões, colaborações premiadas, descoberta de bastante dinheiro no exterior e sua repatriação e, nessa sequência, talvez uma nova leitura por parte dos brasileiros sobre sua escala de prioridades e de que a sua voz pode fazer bastante diferença para transformar uma nação.

Em recente pesquisa realizada pelo Datafolha, a corrupção foi vista pela sociedade brasileira como o maior problema do país (34%), à frente da saúde (16%), do desemprego (10%), da educação e da violência (ambas com 8%).

Mas por que a corrupção deve ser uma das maiores preocupações dos brasileiros? Simples: porque ameaça a democracia e o desenvolvimento social e econômico de qualquer país. Ela é uma das principais causas dos demais problemas revelados na pesquisa. Está tudo relacionado.

Os escândalos do mensalão e do petrolão demonstraram que o financiamento de campanha por grandes empresas era a porta de entrada dos maiores esquemas de desvio de dinheiro público. Em uma eleição como a de 2014, em que apenas três empresas doaram 39% do total de recursos que entrou na contabilidade oficial dos três principais concorrentes ao Palácio do Planalto e que apenas 10 empresas ajudaram a eleger 70% dos membros da Câmara dos Deputados, a captura do Estado por uma pauta muito restrita de interesses privados fica até escancarada, com seríssimos riscos à democracia.

Quanto maior o índice de percepção de corrupção do país –e o Brasil amarga a 69ª posição no ranking da Transparência Internacional–, mais aumenta a ausência de confiança nas instituições e no funcionamento dos Poderes, razão pela qual se vê em movimentos de rua, legitimamente assegurados na Constituição, até quem prefira abolir a democracia para a instauração de uma ditadura –como se esse regime autoritário fosse honesto, inclusive com a liberdade de expressão das pessoas que agora o defendem, mas que serão caladas no primeiro momento de sua implantação.

A ONU estima que R$ 200 bilhões são desviados do Brasil pela corrupção. Esse valor seria suficiente para triplicar o orçamento da saúde, triplicar o da educação, aumentar em 20 vezes o orçamento da segurança pública no Rio de Janeiro, custear o programa Bolsa Família durante 8 anos e pagar quatro ajustes fiscais propostos pelo governo federal. Esse quadro mostra que a corrupção viola diretamente os direitos humanos na escala de desenvolvimento social, pois serviços públicos essenciais deixam de ser prestados porque os seus recursos são cinicamente desviados.

De que adianta o Brasil ser considerado a 7ª economia do mundo se o nosso Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) está na 79ª colocação? Essa discrepância deixa muito claro que país rico não significa país com igualdade. Aqui, poucos têm muito, e muitos têm pouco ou quase nada.

A corrupção também tem forte impacto na economia, pois ela é essencialmente anticompetitiva. Quantas empresas deixaram de crescer, de inovar e de ampliar o seu mercado relevante, porque um clube de empresas se juntaram para lotear contratos públicos, em conduta de cartel, e exterminar as concorrentes? Essas empresas que se dizem ameaçadas de extinção porque foram pegas em atos de corrupção também foram responsáveis pela falência de tantas outras. E o desemprego, terceiro problema mais importante para os brasileiros, tem sido causado por essa lama de corrupção.

A corrupção, pela facilidade de conquistar e manter contratos públicos a preços bem acima do mercado, acomoda os agentes econômicos na sua capacidade de inovar, de se tornar mais eficientes. Não é à toa que, em que pese sermos a 7ª economia no mundo, estamos na lanterna no ranking global de competitividade do Fórum Econômico Mundial (na 75ª posição), demonstrando que esse nosso jeitinho brasileiro não funciona bem para competir no mercado internacional.

Considerando ainda que o Estado, via de regra, é o maior consumidor de bens e serviços no seu mercado doméstico, o custo da corrupção eleva, em média, 10% os preços praticados no mercado de forma geral, segundo estudo do Fórum Econômico Mundial, deixando claro que o famoso custo Brasil não é culpa apenas da elevada carga tributária, havendo muita corrupção embutida.

Por falar em tributo, o manual de resolução de crise financeira dos nossos governantes apresenta como saída mágica sempre a elevação de nossa carga tributária, sobrando para o cidadão a obrigação de pagar a conta de uma despesa que ele não causou. É o que está acontecendo com o fantasma da CPMF, que quer ser ressuscitado.

Por que não se aprova um pacote anticorrupção abrangente e eficiente como medida de economia para o país? Se se espera um impacto de R$ 32 bilhões com a CPMF, podemos esperar uma economia muito maior investindo em medidas de integridade e combate à corrupção, evitando que R$ 200 bilhões sejam desviados todos os anos.

A propósito, o Ministério Público Federal entregou à sociedade brasileira um pacote com 10 medidas contra a corrupção. Se for do seu interesse, a sociedade poderá transformar essas medidas em projeto de lei de iniciativa popular, provocando democraticamente o Congresso Nacional para debater e deliberar sobre esse tema, que é a prioridade número um dos brasileiros, dizendo ao país se a prioridade do povo coincide com a prioridade de nossos congressistas.