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Neste clima de radicalização, precisamos de tolerância e entendimento

Especial para o UOL

13/03/2016 06h00

A ninguém escapa o clima de radicalização extrema que vive o país, intensificado nas últimas semanas, especialmente desde a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Acolhido e afagado por uma militância valorosa e por cidadãos indignados com este gesto de força indevida, respaldado por críticas severas de juristas importantes aos excessos da operação, o ex-presidente não recebeu nem um gesto por parte dos oposicionistas, transidos pela perspectiva de fazer uma guerra sem tréguas contra ele, o presidente de maior aprovação da história do Brasil, e contra a presidenta Dilma Rousseff, uma mulher que tem compromisso com o país.

Mais ponderado e sábio foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que em seu artigo do último domingo (6/3) em alguns dos grandes jornais brasileiros, enxergou além das graves circunstâncias desta quadra que vivemos.

"É preciso abrir o jogo: não se trata só de Dilma ou do PT, mas da exaustão do atual arranjo político brasileiro... É hora, portanto, de líderes, de pessoas desassombradas, dizerem a verdade: não sairemos da encalacrada sem um esforço coletivo e uma mudança nas regras do jogo", escreveu Fernando Henrique. A encalacrada, ao meu ver, é um paradoxo.

Diferentemente dos anos 50, durante a crise que levou ao fim do governo do presidente Getúlio Vargas, em clima tão tenso quanto o atual, vivíamos uma ameaça de ruptura institucional, abertamente desenhada por um golpe militar.

Hoje, existem pessoas absolutamente destemperadas pregando a volta dos militares, ou ainda, do regime ditatorial. A resposta ao destempero vem pela voz do comandante do Centro de Comunicações do Exército, Coronel Ulisses Gomes, quando afirma que são elas, as Forças Armadas, as garantidoras da ordem constitucional, e obedientes às funções de comando em chefe da Presidência da República.

Cabe, portanto, ao "mundo político" se entender, buscar a superação das dificuldades e contradições pela via institucional. E é aqui que vejo o paradoxo, pois, levados por um clima absurdo de radicalização, temos uma excitação autofágica da democracia, da parte de líderes que deveriam se espelhar no que disse a maior de suas referências, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

É perfeitamente natural apontar erros na atuação do governo que integro. Erros? Quem não erra? Estamos falando de um governo liderado por uma mulher íntegra, honesta, que entregou a sua vida pelo sonho de vivermos um país nação.

Se erramos, podem ter certeza de que os erros foram cometidos buscando proteger os brasileiros mais fragilizados. São possíveis erros na condução governamental, jamais moral.

A luta política franca no Congresso Nacional é natural. Não é natural, porém, investir-se do quanto pior, melhor. O Brasil já poderia ter se ajustado aos novos desafios da economia e estar começando a sair da recessão, não fosse a obsessão pelo impeachment. Essa obsessão foi instilada na população por uma campanha sem tréguas levada a cabo por meio de setores da mídia nacional. Exacerbaram-se investigações, politizaram-se apurações, espetacularam-se medidas judiciais.

O balanço é um processo sem nenhuma racionalidade e marcado pelo ódio que tem levado de roldão empresários, políticos e cidadãos comuns, vítimas indiretas e diretas de um total desarranjo instaurado no Brasil.

É indispensável que atos de corrupção sejam apurados e punidos, mas é de todo inadequado que isso se dê neste clima tóxico, de espetacularização midiática e política.

Quando as instituições começam a se tornar prisioneiras do senso comum e da luta política fratricida, a democracia está sendo brutalmente agredida. Em qualquer período histórico, os linchamentos, físicos ou não, sempre materializaram a falência do Estado.

Meu partido em nada foi diferente dos demais partidos representados no Congresso Nacional em termos de doações de campanha. As fontes empresariais que doaram recursos são as mesmas. O caixa empresarial é o mesmo. E todos sabemos que não há dinheiro bom nem dinheiro ruim. O que há é uma regra do jogo de doações, há muito evidentemente inadequada e que já deveria ter sido revista, por meio de uma reforma política eleitoral ampla, como sempre defendemos.

Sempre compreendemos que o financiamento empresarial deva ser coibido, prevalecendo o financiamento público. Pode parecer contraditória a minha afirmação? Talvez, mas, é coerente com as nossas deliberações coletivas. Fomos envenenados pelo veneno que sempre negamos? Sim, já que jogamos o jogo que sempre foi jogado pelo sistema político brasileiro.

Personalizar no PT a falência do sistema político brasileiro é um grave erro e em nada ajuda na construção de uma nova formulação.

Outros, especialmente da oposição, acham que a regra atual deve se manter. De um jeito ou de outro, corremos o risco de não sairmos do lugar, mesmo com tanto "sangue derramado", em que pese o voto do Supremo Tribunal Federal, proibindo o financiamento empresarial.

Enquanto isso, os grandes problemas e desafios do país continuam à espera de solução. E este também é outro paradoxo, pois temos tido um longo período de evolução no ordenamento econômico e na inclusão social, que só fizeram o Brasil progredir e que foram obra de diferentes governos. Apesar do abalo econômico atual, temos, essencialmente, os avanços já obtidos e desafios históricos pela frente.

Desde a estabilização da moeda, há 22 anos, o Brasil se defronta com problemas centrais, que atravessaram todos os governos. Eles podem explicar, ao menos em parte, por que não conseguimos ter ciclos mais longos de crescimento, de modo a dar um salto na condição de país de renda média e entrar no clube dos países desenvolvidos, de renda alta, consolidando a nossa democratização da riqueza.

Por exemplo, o problema da produtividade. A nossa baixa produtividade nos torna dependentes de desvalorizações maciças da moeda, para podermos recuperar a capacidade de participar do comércio mundial, sem déficit estrutural na conta corrente. Sempre trazendo, contudo, efeitos coletarias como a pressão inflacionária.

Por mais que tenhamos grandes progressos fiscais nas últimas décadas, precisamos enfrentar o problema da poupança e a nossa baixa capacidade de investimentos no país. Cito apenas alguns problemas estruturais que exigem um esforço brutal de superação.

São necessárias reformas que alterem profundamente os componentes reais da crise. É necessário um plano de curto e médio prazo que restitua a confiança no desenvolvimento do país, evitando que se aprofundem o desemprego, a perda de renda e a falta de confiança dos agentes econômicos. Essa não é uma tarefa de um partido, ou de um líder. Será fruto de um pacto que coloque o país em primeiro plano, acima de interesses menores.

A presidenta Dilma e o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, têm feito um imenso esforço para construir o consenso, chamando os agentes para que os interesses do Brasil sejam colocados antes dos interesses partidários ou de grupos, para retomarmos o crescimento econômico.

Com uma política econômica e reformas coerentes pactuadas, esta crise em que vivemos pode se dissipar rapidamente. Um novo recuo do Produto Interno Bruto este ano, da magnitude do que ocorreu em 2015, não é inevitável. Não é "jogo jogado", como sugere a previsão do Fundo Monetário Internacional.

É por isso, e pela preservação das regras democráticas, que as forças políticas devem conversar com desassombro. Neste momento em que manifestações de rua, de parte a parte, voltam à cena, é bom colocar um pouco de racionalidade nas emoções.

Intolerância só leva a mais intolerância. Fazemos parte de uma nave comum e precisamos ter responsabilidade, sensibilidade e espírito de cooperação. A nossa jovem democracia agradece. 

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