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Com petições extensas, promotores querem 'vencer pelo cansaço'

Especial para o UOL

15/03/2016 06h00

O pedido de prisão preventiva do ex-presidente Lula, apresentado na última quinta-feira (10), por promotores criminais de São Paulo, produziu um lamentável descrédito institucional para o Ministério Público. Demasiadamente extensa e permeada por questionável pretensão filosófica, a petição tornou-se, rapidamente, motivo de piada.

O problema da falta de fundamentos do pedido já foi muito comentado. A questão que nos importa, então, é entender a razão pela qual o Ministério Público mobiliza o aparato estatal, “gastando papel” e, acima de tudo, subtraindo precioso tempo do Poder Judiciário com demasias textuais. Assumindo que o pedido de prisão preventiva estivesse devidamente amparado na lei, haveria algum sentido em recheá-lo de divagações?

O episódio remete às reflexões do então advogado, e hoje ministro do STF, Luis Roberto Barroso, em artigo para a Folha, quase oito anos atrás. Intitulado “A revolução da brevidade”, o texto se apresentou como um manifesto contra a falsa erudição e a prolixidade na linguagem jurídica.

Barroso defendia, por exemplo, que petições de advogados tenham um limite máximo de páginas: “pelo menos as ideias centrais e o pedido têm que caber em algo assim como 20 laudas”. E acrescentava: “postulação que não possa ser formulada nesse número de páginas dificilmente será portadora de bom direito”.

O professor titular da PUC-SP, Fabio Ulhoa Coelho, ocupou o mesmo espaço do jornal, tempos depois, reforçando a tese: “É uma recomendação dirigida a todos os profissionais jurídicos: magistrados, promotores e advogados. Precisam todos escrever e falar menos, para dizerem mais”.

Não por acaso, um juiz do Paraná despachou, com indisfarçável ironia, em ação civil pública proposta pelo Ministério Público Estadual no ano de 2012: “Seguindo o deliberado pela Unesco, um texto de 49 páginas ou mais é um livro. A petição inicial (144 folhas) é, pois, um livro. O notório excesso de trabalho desta 3.ª Vara da Fazenda Pública (cerca de oitenta mil processos em andamento) não permite ler livros inteiros durante o expediente”. Em seguida, deu ao promotor responsável dez dias para reduzir sua petição a “uma versão objetiva com a extensão estritamente necessária, sob pena de indeferimento”.

É um sinal de que a “revolução da brevidade” está em andamento, ainda que atores importantes manifestem resistências.

Ao minimizar as citações equivocadas do filósofo Hegel, por exemplo, um dos responsáveis pelo pedido de prisão preventiva de Lula alardeou a importância das “duzentas laudas” de sua petição. Este é um discurso ainda comum no ambiente jurídico: a extensão do texto estaria diretamente ligada à consistência da pretensão nele veiculada. Em outros casos, sob a mesma premissa, o Ministério Público já chegou a apresentar mais de quinhentas laudas, permeadas por citações heterogêneas, como letras de músicas religiosas.

Não se quer dizer, com isso, que manifestações longas sejam inadmissíveis, por princípio. Mas por que nem mesmo as ferramentas básicas de um programa de edição de texto são utilizadas? Além de excessivamente extensas, as petições devem ser maçantes? Vencer, nem que seja pelo cansaço? Parece que este é o princípio.

No dizer de Luis Roberto Barroso, oito anos atrás, essas manifestações, que “consomem sem dó o tempo alheio”, seriam “reminiscências jurássicas”. Não se trata de um problema exclusivo do Ministério Público. Mas, por óbvio, é muito preocupante que uma instituição de excelência, à qual se vinculam ou já se vincularam alguns dos melhores juristas do país, ainda não esteja totalmente alinhada ao pacto pela brevidade, que, em última análise, é também um pacto pela maior celeridade dos processos.

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