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Condenações na 2ª instância não terão mais recurso salvador no STF

Especial para o UOL

08/04/2016 06h00

Tem sido muito disseminado no Brasil o adágio popular que afirma que “o bom advogado conhece a lei, mas o melhor conhece o juiz”. Porém poucas pessoas percebem que existem questões bem mais profundas nessa afirmação e que a frase talvez não se adeque tão bem à nossa realidade de hoje. Contudo é inegável que a relação dos advogados com os julgadores de segunda instância está prestes a ser aperfeiçoada.

Nos países em que o sistema de direito anglo-saxão (common law) é adotado, a principal fonte do direito está nos costumes e nos precedentes dos tribunais, sendo uma marca característica a pouca importância que se confere às normas escritas.

Assim, nesse sistema, utilizado pelo direito inglês e norte-americano, adota-se a técnica dos precedentes (stare decisis), em que as decisões judiciais são baseadas em sentenças anteriores da mesma natureza. Dessa forma, conhecer o juiz e saber como ele pensa e quais são suas convicções jurídicas e políticas torna-se primordial para o sucesso de uma demanda judicial, pois há a possibilidade dos advogados adaptarem a tese jurídica às argumentações anteriores de cada um dos julgadores das cortes. Justamente, essa técnica torna indispensável ao advogado, no sistema anglo-saxão, conhecer cada juiz e suas posições jurídicas.

Por outro lado, no Brasil se adota o sistema romano-germânico (civil law) em que as regras do direito são concebidas como normas de conduta in abstrato e vinculadas, na maior parte dos casos, às preocupações morais e de justiça, com o intuito de regular as relações dos cidadãos entre si e com o Estado. No direito brasileiro, logo, a fonte primordial do direito é a lei, e não os precedentes jurisdicionais.

Daí, portanto, a grande importância de se conhecer em profundidade o juiz no direito norte-americano e inglês, o que não é tão importante no direito brasileiro, em tese.

Contudo a situação tem, ao longo dos anos, mudado paulatinamente com a inserção de diversos institutos do sistema anglo-saxão, como as súmulas vinculantes, no direito brasileiro. Isso trouxe uma força renovada aos precedentes nos processos judiciais.

Nesse contexto de enriquecimento da ordem jurídica, é importante ressaltar que no direito inglês existem, grosso modo, dois operadores distintos: o solicitor, que é o advogado que orienta e representa os clientes nas instâncias iniciais, e o barrister, que é profissional jurídico que atua nos tribunais superiores e que, como regra, emite pareceres sobre matérias específicas.

No Brasil, a inscrição do bacharel em direito nos quadros da OAB, após a aprovação no Exame da Ordem, confere-lhe a prerrogativa ampla e plena para exercer a advocacia em todos os graus de jurisdição, indistintamente, sem qualquer tendência em sentido contrário. Ou seja, sem a criação de duas “classes” de advogados, uma vez que os sistemas jurídicos brasileiro e inglês —romano-germânico e anglo-saxão, civil law e common law— são distintos por razões históricas.

Todavia, desde sempre a advocacia nos tribunais superiores sempre foi de atribuição dos advogados mais experientes e com formação mais sólida. Esses profissionais terminam por adquirir, com o passar do tempo, uma experiência diferenciada ao lidar com os mais diversos tipos de casos e de clientes e também ao defender causas perante as cortes superiores, desenvolvendo, assim, uma expertise que não se absorve de livros ou de cursos, mas que se conquista no dia a dia da defesa dos interesses dos clientes.

Assim, as causas de maior complexidade ou aquelas que demandam atuação perante as cortes superiores costumam ser destinadas aos advogados mais experientes, não por razões legais ou de regulação da profissão, mas sim pelo maior preparo destes para o manejo dos complexos procedimentos recursos perante as cortes superiores. Há uma tendência, contudo, que cada vez mais se consolida na advocacia e por razões bastante claras, que leva a uma natural busca de especialização nessa seara por advogados mais jovens.

A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), considerada a mais importante na área penal, nos últimos anos, ampliou esse conceito e o trouxe também para os tribunais de segundo grau. Ao concluir, em sessão do dia 17 de fevereiro, que o réu pode ser recolhido à prisão após condenação em segunda instância, relativizando a previsão constitucional de presunção de não culpabilidade até o trânsito em julgado, o Supremo transferiu às cortes estaduais e regionais a palavra final sobre as penas, limitando às cortes superiores e ao próprio STF um papel rescisório.

Se o conceito vale para a prisão de um acusado, por que não valeria também para os demais casos que envolvem valores menos preciosos que a liberdade? Esse raciocínio já tem levado juízes trabalhistas a determinar a execução de sentenças contra empregadores que foram confirmadas apenas nos Tribunais Regionais do Trabalho, sem que o Tribunal Superior do Trabalho tenha se manifestado. Não demorará para que outros tipos de execução, como cíveis e fiscais, sigam pelo mesmo caminho.

Advogar perante as cortes de segunda instância passará, em breve, a exigir o mesmo cuidado e expertise que o trabalho realizado pelos advogados nos tribunais superiores e no Supremo Tribunal Federal. Isso demandará dos profissionais um maior empenho em pesquisa, no relacionamento com os magistrados, na elaboração de memoriais e também nas sustentações orais perante as câmaras e turmas de julgamento.

É certo que o acúmulo de processos nessas cortes muitas vezes inibe a atuação mais precípua do advogado na defesa do seu cliente. Porém o profissional deve levar em conta que, agora, não existirá mais um recurso salvador em Brasília. Uma atenção maior no trabalho em segundo grau será decisiva para o desfecho dos casos e pode, com o tempo, alterar a dinâmica das sessões de julgamento no que se refere também aos julgadores.

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