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Elite cultural empresta prestígio à trapaça ideológica do lulopetismo

Especial para o UOL

20/04/2016 06h00

O crítico literário Roberto Schwarz foi quem primeiro argumentou que a esquerda detém ampla hegemonia no meio cultural brasileiro. Não direi que estava totalmente errado, mas afirmo sem temor a erro que ele construiu sua tese a partir de uma formidável redundância.

Assim como numerosos autores que tratam do tema, para Roberto Schwarz, intelectual é quem compartilha certas premissas básicas do pensamento de esquerda. Segue-se, bingo, que a intelectualidade é basicamente de esquerda.  Sem grande esforço, o cachorro consegue morder seu próprio rabo.

Inquestionável, isso sim, é que a criação do mito Lula e da ideologia lulopetista deveram-se, em grande parte, à influência de uma parcela das elites culturais –como professores e estudantes universitários, escritores e uma parte do clero e da imprensa–, coadjuvadas, é claro, pelo outrora rebelde sindicalismo.

Dada a acachapante derrota sofrida por Lula e Dilma Rousseff no último domingo (17), o momento não poderia ser mais sugestivo para um reexame crítico dessa vertente da esquerda brasileira.

O mito Lula, como indiquei acima, foi em grande parte uma criação dos referidos segmentos de nossa vida cultural.  Foram eles que o “construíram” –para usar o verbo da moda–  com todos os adereços do nordestino pobre que vem para São Paulo, emerge vitorioso das lutas sindicais do período militar e se transforma num líder carismático. Igualmente importante para os fins deste artigo, essa parcela da elite brasileira conserva sua devoção a Lula, a quem se refere como um líder “de esquerda”.

Ora, mesmo quem não se define como de esquerda, mas tem boas noções de história e aceita com prazer o bom debate de ideias, sente um profundo desconforto ao ver o conceito de esquerda –cuja densidade histórica ninguém de bom senso haverá de negar– associado ao populismo, essa aberração endêmica que Lula personifica num grau poucas vezes igualado na América Latina.

Decorridos 36 anos de sua fundação, o PT continua a depender do apelo e do histrionismo populistas de Lula, e a recíproca é verdadeira: num partido mais complexo, Lula não seria o líder incontestado que é no PT.  Só com seu “dedazo”, certamente, não levaria uma candidata despreparada e sem história política à Presidência da República.

Ou seja, Lula e o PT nasceram e permanecem agarrados um ao outro, como os irmãos corsos: nutrem-se um do outro, vivem um do outro. Foi Delfim Netto, em um artigo publicado no jornal Valor Econômico, em 22 de março, quem melhor ressaltou essa simbiose:  se Lula de repente desaparecesse –queira Deus que não–, o PT instantaneamente se reduziria à sua real dimensão, a um insignificante partido reacionário e hostil a tudo o que o Brasil precisa fazer para retomar o processo de desenvolvimento econômico e social.

No caso, o assombroso é o grau em que a mencionada parcela da elite cultural se deixou impregnar por um modo de pensar no mínimo esdrúxulo. De fato, o lulopetismo é um conjunto desconexo de ideias que se caracteriza por: (1) o culto à personalidade de um líder populista que sequer tenta disfarçar seu anti-intelectualismo e sua ojeriza ao mérito  educacional;  (2) uma terminante recusa da modernidade na economia e na organização do Estado; (3) uma atitude ambígua –para dizê-lo com certa caridade– em relação às instituições democráticas e; (4) um insistente recurso à malícia e à mentira no debate público, dando a impressão de haver absorvido por inteiro o velho mote de que uma mentira repetida mil vezes se transforma em verdade.

Emprestar seu prestígio a essa trapaça ideológica já seria de causar espanto, mas agora, na conjuntura do impeachment, a elite cultural petista foi além. Adotou de corpo e alma o bordão “não haverá golpe”, ao qual Dilma Rousseff se aferrou como tábua de salvação.

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