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Vivemos uma ruptura constitucional e uma farsa de democracia

Especial para o UOL

26/04/2016 06h00

É mais do que perceptível que a quase integralidade dos votos na Câmara dos Deputados pela abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff foi fundamentada na família, em Deus e pelo Brasil. É um reviver do movimento integralista fundado por Plínio Salgado e de seu lema: “Deus, Pátria e família”. Não é por acaso que um dos principais líderes do integralismo foi Miguel Reale, e seu filho, Jr. foi um dos proponentes do impeachment.

Tais votos foram permeados pelo discurso que certas horas descambou para um anticomunismo, recordando a Guerra Fria –com dizeres como “a bandeira do país não é vermelha”, ou “não estamos na Venezuela ou na Coreia do Norte”.

Já tivemos momentos piores que este em nossa história. Já tivemos partidos proibidos e Congresso Nacional fechado. Já tivemos ditaduras agressivas. Mesmo assim, o quadro atual não é menos preocupante. Vivemos uma ruptura constitucional e uma farsa de democracia, que corroem e enferrujam nosso desenvolvimento. Sabemos que os votos da Câmara foram, na verdade, contra os programas sociais e a ascensão do povo nas urnas. 

Entre os autores de votos que se utilizaram da desculpa do combate à corrupção estão deputados que estão em situação delicada. São acusados de terem valores em contas bancárias no exterior não declarados às autoridades no Brasil. Estes se uniram a pastores que defendem que o homossexual deve ser curado. Também se juntaram a outros deputados que abertamente defendem ofensas aos direitos humanos –com a tese de que “bandido bom é bandido morto” – e a outros congressistas fardados de policiais militares ou se declarando delegados da Polícia Federal. Esses senhores não parecem ser uma alternativa séria ao desenvolvimento jurídico do país.

Mas, apesar do obscurantismo deste momento, precisamos ser otimistas. Devemos continuar acreditando que o povo não deixará essa fraude se perpetuar e que o chamado às urnas dará sua resposta. Mais do que isto, devemos acreditar que teremos momentos melhores.

É necessário estabelecer uma rede da legalidade, com objetivos que vão além da resistência no Senado ao pedido de impeachment. Precisamos nos aproximar dos ditames constitucionais e do respeito ao devido processo legal e às garantias individuais, as quais impedem prisões preventivas e provisória ilegais, que têm se propagado pelo país. Essas garantias proíbem as conduções coercitivas e as torturas procedimentais que visam confissões, tão comumente praticadas nas operações policiais noticiadas pela grande mídia.

Acima de tudo, essa rede de legalidade deve visar a isonomia frente aos direitos mais básicos de educação, saúde e emprego. É necessário amadurecimento político para não descambarmos para o estado policial.

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