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No conflito com interesses privados, interesse público deve prevalecer

Especial para o UOL

02/05/2016 20h59

O bloqueio do aplicativo WhatsApp, anunciado e colocado em prática nesta segunda-feira, 2 de maio, pelo que se noticia foi decidido após inúmeras outras tentativas frustradas de se obter a colaboração técnica do aplicativo para o acesso a informações trocadas entre determinados usuários.

É direito do usuário ter o sigilo das informações assegurado. Portanto, essa é a regra consagrada na Constituição Federal. Há situações excepcionais —e tudo indica que a investigação criminal realizada na cidade de Lagarto, em Sergipe, é uma situação excepcional. Assim, obteve-se uma decisão judicial liminar, em tese, com aparente consonância com o Marco Civil, dado o justificado interesse público da sociedade.

Independentemente da Lei 12.965/14 (Marco Civil), a Lei 9.296/96 já autorizava a interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza —incluindo-se a interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática—para prova em investigação criminal e em instrução processual penal com base em ordem de juiz competente e sob segredo de justiça.

Sob o prisma jurídico, a adoção de criptografia de comunicações não pode por si só ser considerada nociva, ao dificultar e/ou até mesmo impedir o acesso das autoridades a informações de usuários, mas não custa lembrar que também às empresas de internet correspondem direitos, deveres e responsabilidades a partir de suas decisões técnicas.

A Lei 12.965/14 regulamentou expressamente as responsabilidades dos provedores. Assim, em razão da legislação brasileira, as empresas de internet precisarão entender que ao assegurarem o sigilo e a privacidade a seus usuários por meio da criptografia “end to end” precisarão também assegurar a efetividade dos interesses públicos da coletividade quando dos usos indevidos da mesma ferramenta. No conflito entre interesses privados e públicos, em tese, a regra é a prevalência do interesse público.

O Marco Civil da Internet contemplou, no § 4º de seu art. 19, que o juiz  poderá antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, existindo prova inequívoca do fato e considerado o interesse da coletividade na disponibilização do conteúdo na internet, além dos requisitos previstos pelo Código de Processo Civil.

A única diferença dessa tutela de urgência especial em relação à do art. 273 do CPC é que a sua concessão depende da presença do interesse da coletividade, como um elemento a mais. No caso de Lagarto, tudo indica que há a presença do requisito.

A situação que ensejou a medida liminar em vigência revela o conflito de interesse público da coletividade de Lagarto e sociedade brasileira pela aplicação da Justiça e os interesses privados dos usuários da rede de comunicação. Ora, trata-se de uma forma de comunicação não onerosa diretamente ao usuário, mas seria razoável ser de tal monta valorizada essa ferramenta que poderia ser superveniente ao interesse do deslinde de uma organização criminosa? Não parece razoável.

A suspensão da atividade do provedor é medida derradeira que demanda ser justificada pelo interesse público da sociedade. Em meio a tantas dificuldades para se combater organizações criminosas, o que é comum até mesmo em países desenvolvidos –mas sobretudo, em países cujos orçamentos não são notoriamente satisfatórios–, não parece ser aceitável a inviabilidade técnica como resposta definitiva a essas situações, ou até mesmo maior ônus ao Estado brasileiro para buscar alternativas, como adotado pelo FBI.

Na propriedade industrial, a Lei 9.279/96 coíbe o patenteamento daquilo que for contrário à moral, aos bons costumes e à segurança, à ordem e à saúde públicas. Seria necessário coibir-se em texto de lei o fornecimento de ferramentas tecnológicas que venham a servir ao crime organizado. Talvez devêssemos começar pelos aparelhos de celulares... Não, a resposta não pode ser positiva. A resposta  está no próprio avanço tecnológico. Esse tem que ser responsável.

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