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Profilaxia pré-exposição controla a Aids, mas não substitui prevenção

Especial para o UOL

08/06/2016 06h00

A intenção do Brasil de ser o primeiro país do mundo a disponibilizar em sua rede pública a Prep (Profilaxia Pré-Exposição) pode ser vista como um passo audacioso e até polêmico, mas que, tecnicamente, representará avanços imensos e certeiros no controle da epidemia de Aids que segue crescendo atualmente. São, em média, 40 mil novos casos todos os anos no país.

A Prep concentra dois tipos de antirretrovirais –medicações usadas no tratamento do vírus HIV– e foi pensada para o uso contínuo no dia a dia, assim como um remédio para controlar a pressão arterial, por exemplo. Trata-se de um comprimido que bloqueia a entrada do vírus HIV no DNA das células de defesa do organismo e que é voltado, especialmente, para pessoas consideradas de “risco ampliado”.

Hoje, o HIV é um vírus disseminado em todas as camadas sociais, independente da cor, da idade, da orientação sexual ou da conta bancária. O uso do preservativo continua sendo a principal forma de prevenção contra a doença, porém outras estratégias no âmbito da prevenção combinada –como a própria Prep– também devem ser discutidas e disponibilizadas. 

É importante frisar que o grau de vulnerabilidade de cada um não está vinculado à orientação sexual, mas sim ao histórico de relações desprotegidas e ao nível de exposição. Infelizmente, há situações de risco conhecidas em que a exposição torna-se recorrente. Mas, há também outras complexidades. Você já parou para pensar em quantos milhares de brasileiros soronegativos têm relacionamentos sérios, namoros ou casamentos com parceiros infectados pelo vírus HIV, por exemplo?

Nos Estados Unidos, já é possível comprar a Prep no circuito comercial de forma legal. Estatísticas apontaram uma redução de 30% no número de novos casos em São Francisco, onde alguns serviços públicos da prefeitura já disponibilizam a medicação. Na Europa, a Inglaterra e a França já estudam a possibilidade de disponibilizarem a medicação gratuitamente. 

A ideia é que o tratamento seja combinado com o uso do preservativo, e não que o substitua. Somente o preservativo é capaz de proteger contra as outras várias DSTs (Doenças Sexualmente Transmissíveis), como a sífilis. Por isso, sempre existiu um temor natural e compreensível de que as pessoas poderiam se acomodar com a chegada da Prep.

Porém, algumas estatísticas nos propõem uma discussão que vai muito além, pois talvez, estrategicamente falando, não possamos mais nos dar ao luxo de dispensarmos qualquer nova ferramenta de prevenção. Uma pesquisa do Ministério da Saúde, divulgada no começo de 2015, mostrou que apenas 45% dos entrevistados usaram preservativo em suas relações sexuais com parceiros casuais nos 12 meses antecedentes à pesquisa.

Além disso, temos assistido ao incontestável crescimento do uso da PEP (Profilaxia Pós-Exposição). Trata-se de outro coquetel de antirretrovirais que protege contra o HIV, só que é tomado, no máximo, 72 horas após uma situação de exposição, seja em um acidente de trabalho ou em uma relação sexual desprotegida. No Estado de São Paulo, por exemplo, a busca pela PEP vem dobrando ano a ano desde 2011, tendo passado de 547 usuários, naquele ano, para 7.535, em 2015.  Inclusive, nesse mesmo período, o número de municípios paulistas que disponibilizavam a PEP passou de 54 para 112.  

Enfim, os fatos nos mostram que temos que lidar com o mundo real e não com o ideal. A meta da ONU é a de acabar com a epidemia da Aids até 2030. Além disso, há uma diretriz muito objetiva da Organização Mundial da Saúde para que os países do mundo todo avancem no controle da epidemia de Aids. A entidade preconiza não apenas o tratamento universal a todos os pacientes diagnosticados, como também o reforço às medidas tradicionais de prevenção e aos tratamentos pré e pós-exposição para diminuir o contágio.

Devido ao impacto positivo da entrada dos antirretrovirais no Brasil, é comum que as pessoas se espantem ao saberem que a Aids não só continua crescendo, como continua matando. As últimas estimativas apontam para uma média de 39 mil casos por ano, sendo que, em 2015, 81 mil pessoas iniciaram o tratamento da doença. Desde o início da epidemia de Aids, em 1980, até o ano passado, 798.366 casos de Aids foram registrados no país, segundo o Ministério da Saúde. A conta é simples: quanto menos gente infectada, menos gente infectando.

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