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Governo contraria legislação ao propor IR sobre doação e herança

Especial para o UOL

16/06/2016 06h00

Visando recompor a arrecadação que será perdida com o reajuste da tabela do IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física) de 2017, o Ministério da Fazenda planeja agora aplicar as alíquotas que vão de 15% a 25% sobre doações e heranças. Ocorre que tal medida é totalmente descabida e absurda, já que o governo quer tributar um fato que não está previsto na legislação do Imposto de Renda.

Conforme amplamente noticiado pela imprensa, a proposta anunciada pelo governo aconteceu no rastro da correção da tabela do IRPF em 5% e foi notificada pela  presidente afastada, Dilma Rousseff, em 1° de maio. Estima-se que tal correção deva provocar, no próximo ano, uma perda de arrecadação em torno de R$ 5,2 bilhões. Assim, para reverter esse forte impacto no caixa, o governo projetou outras medidas que poderão gerar uma arrecadação de até R$ 5,35 bilhões, dessa forma, deixando um saldo positivo de R$ 150 milhões.

Entre as medidas anunciadas pelo governo, destacam-se: a tributação do excedente do lucro de empresas optantes pelo regime de lucro presumido e pelo Simples Nacional; a tributação dos direitos de imagem e voz; a diminuição de alguns benefícios fiscais; a aplicação de alíquotas que vão de 15% a 25% sobre doações e heranças.

Nesse diapasão, cumpre trazermos à tona que atualmente –e de forma correta– os bens e os direitos recebidos em doação ou herança não estão sujeitos ao IRPF, mas sim, dependendo do valor recebido, à incidência de imposto estadual, o ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doações).

Tal incidência do IR não é compatível com herança ou com doação, uma vez que o conceito de renda para fins de tributação do IRPF é o de que houve um “acréscimo patrimonial”, no sentido mais econômico da expressão. Nesse ponto, devemos interpretar esse conceito sob a ótica de um aumento de riqueza, estando este diretamente ligado ao aumento de capacidade contributiva do Imposto de Renda.

Nas heranças e nas doações não há um incremento econômico efetivo, há somente um aumento do ponto de vista jurídico, já que o que ocorre é apenas uma transferência, por força da lei, da titularidade de determinado patrimônio. O que se aumenta com essa transferência é somente uma expectativa de capacidade de se criar mais riquezas. Só se essas expectativas forem concretizadas gera-se a incidência do Imposto de Renda.

Aqui, cumpre esclarecer que somente haveria a possibilidade de se tributar a transferência desses bens –caso sejam alienados posteriormente ao recebimento por herança ou por doação– se eles tivessem um valor maior do que o que foi declarado, fato que faria nascer um ganho de capital. Contudo, não é esse o momento que o referido projeto de lei pretende tributar, mas sim no exato momento em que a herança ou a doação são efetivadas.

Nessa linha, o próprio RIR/99 (Regulamento do Imposto de Renda) confirma esse conceito quando prevê, em seu artigo 39, que o IRPF não incide sobre o valor de bens ou de direitos adquiridos por doação ou por herança.

Outro fato que reafirma a não tributação do Imposto de Renda nesses casos é o de que a Receita só exige que contribuintes informem no IRPF a transferência de bens para tributar suposto ganho de capital em operação futura, mas nunca em cima de heranças ou doações ­–devendo se atentar também para o artigo 119 do RIR/99.

Caso o projeto de lei seja efetivado pelo Congresso, haverá uma nítida e patente inconstitucionalidade desse dispositivo, já que a Constituição Federal concede aos Estados a competência para instituírem impostos sobre as transmissões de heranças e de doações.

Percebe-se que o projeto do governo federal quer inovar de tal forma que acaba por afrontar diversos conceitos jurídico-tributários estabelecidos na Constituição e em leis, seja por querer tributar a renda onde não há efetivamente um acréscimo patrimonial, seja por que a competência para instituir impostos sobre esses fatos é de exclusividade dos Estados.

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