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MP quer poder absoluto sem ministro ou juiz que o desafiem

Especial para o UOL

06/07/2016 06h00

É preciso tomar cuidado com a tentativa de criar verdades absolutas. Há uma frase de Nelson Rodrigues que diz que "toda unanimidade é burra". Joseph Goebbels, ministro da Propaganda de Adolf Hitler na Alemanha nazista, dizia: "Uma mentira repetida mil vezestorna-se verdade".

O artigo dos procuradores Carlos Fernando dos Santos Lima e Diogo Castor de Mattos, publicado na Folha com o título “Medalha de ouro para o habeas corpus”, atacando o ministro Dias Toffoli, e também a reportagem do Fantástico –com entrevista dos procuradores Leandro Metidieri e Mônica Campos reclamando da decisão do desembargador Antônio Ivan Athié– demonstram uma tentativa de estimular a unanimidade a favor das prisões ilegais.

Ambas as decisões aplicaram o art. 319 do Código de Processo Penal (CPP) e medidas alternativas à prisão. O ministro Dias Toffoli, ao autorizar a soltura do ex-ministro Paulo Bernardo, aplicou o Art. 654, parágrafo segundo do CPP, que permite habeas corpus de ofício pelo tribunal. Mas o Ministério Público arvora-se o dono da verdade absoluta e ataca a todos que pensam diversamente de seus desejos de poder.

Estamos vivendo um momento pendular de deturpação dos fundamentos da prisão preventiva. O Conselho Nacional de Justiça, que já advertia que 40% dos presos brasileiros são provisórios, hoje divulga que a prisão provisória virou regra. As prisões preventivas estão sendo concebidas como adiantamento da culpabilidade em ferimento a presunção de inocência e também como tentativa de rompimento da garantia do silêncio e da autoincriminação.

A história vive momentos pendulares de radicalismo e a jurisprudência, que em um hiato temporal se acanha em relação a sua história das restrições à prisão como regra, deve retornar naturalmente à sua tradição de desenvolvimento democrático.

Muito tem se falado que o "Brasil precisa de um remédio amargo" contra a corrupção. Esta frase foi usada pelo ministro Teori Zavascki. A frase de cunho higienista deve rememorar que ao mesmo tempo que "água demais mata a planta" e que "a guerra é o melhor remédio para as nações doentes".

A última frase é nazista e suportou Segunda Guerra Mundial, comandada por Hitler. A maior vitória da democracia é a Constituição e ela deve ser preservada.  As prisões ilegais deixam doente o país, por desrespeito à Carta Magna.

O ministro Barroso, em recente entrevista, declarou que a literalidade da Constituição quanto à presunção de inocência precisa ser melhor interpretada. Destacou o bom exemplo da Operação Lava Jato e defendeu que, para mudar uma sensação de impunidade, é necessário admitir mais ativismo. O que se percebe claramente é a tolerância das ilegalidades apostando em mudanças. O Supremo tem permitido as ilegalidades e as afrontas à Constituição sob o manto de um projeto político.

O ministro Gilmar Mendes disse que o Brasil terá que enterrar seus mortos e cuidar dos vivos, fazendo uma profunda reforma do seu sistema político. É hora desse pêndulo de radicalismo retornar ao normal. Estes dias li, entre milhares de mensagens, uma lembrança ao poema "First they came", de Martin Niemöller. "Primeiro, levaram os comunistas. Mas eu não sou comunista, não me importei. Depois, levaram os judeus... E aí me levaram, e já não havia ninguém para reclamar!"

A mensagem prosseguia dizendo que, na versão Lava Jato, o poema seria: "Primeiro, prenderam os corruptos, mas eu não sou corrupto (ou não me vejo assim), então não me importei. Depois, os empresários, mas eu não sou empresário... Aí, as delações começaram a envolver ministros do STF... E antes que não haja mais ninguém para reclamar, vamos olhar direitinho os requisitos e pressupostos de prisões cautelares, de delações mediante o pavor do encarceramento (do delator e de familiares)...".

Tudo me lembrou que Gandhi dizia "Olho por olho, e o mundo acabará cego". O Ministério Público quer mais que ser dono da verdade absoluta, quer o poder absoluto sem juiz ou ministro que o desafiem. Mas, como disse John E. E. Dalberg Acton, "o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente".

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