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Sustentabilidade só será eficaz se abandonarmos a 'gestão de culpa'

Especial para o UOL

18/07/2016 06h00

“Cradle to Cradle” (do berço ao berço) é uma abordagem de design para a inovação de produtos e de sistemas que é inspirada nos modelos produtivos da natureza. Para quem conhece tal conceito, a visão atual de sustentabilidade passa a ser chata e ineficaz. Em toda minha experiência falando para diversos grupos de pessoas –seja de empresas, da academia ou do governo–, percebi que é muito mais poderoso e estimulante colocar nossos esforços e criatividade a favor de soluções, e menos na lamentação sobre os problemas.

Com a abordagem “Cradle to Cradle”, é possível explorar soluções para transformar os meios de produção e de consumo em agentes para a regeneração da capacidade dos ecossistemas em sustentar a vida no planeta.

Via de regra, as estratégias de sustentabilidade da forma que aplicamos hoje são baseadas em uma gestão de culpa: comprar menos, tomar banho mais rápido, gastar menos energia etc. É como reduzir a velocidade, mas continuar na direção do abismo. A mensagem implícita no conceito de ecoeficiência é a de que melhor seria não produzir, não consumir e, afinal, não existir. Há algo de errado nessa visão, pois ela não oferece uma solução de fato.

No sistema atual, a preservação passa a ser o único remédio, porque o ser humano “não sabe brincar” com a natureza. Além disso, muitos dos indicadores de medição –como os de CO?, eficiência energética, racionamento de água, analise de ciclo de vida– não podem ser confundidos com metas. Nosso objetivo não pode ser fazer menos mal. Isso não é suficiente.

Como é possível que numa floresta, quanto maior a biodiversidade, melhor é a qualidade? Ou seja, mais água e ar limpos, mais solo fértil, mais população, mais produtividade. E por que isso é exatamente o oposto nas cidades? Os autores do livro “Cradle to Cradle” –que se dizem descobridores, e não criadores do conceito– observaram o sistema produtivo da natureza e sistematizaram isso em princípios de design para que possamos “refazer o jeito que fazemos as coisas”.

A conclusão é que o atual modelo de produção humano linear é ruim, pois é baseado na extração de recursos virgens e no descarte de lixo –algo que é inútil e tóxico. No fim do processo, tudo isso é destruidor. Porém, numa floresta o sistema circular é restaurador, pois tudo funciona em fluxos –água, CO?, nutrientes.

Tudo o que é resíduo para uma espécie se torna fonte de matéria-prima e de alimento para outras, e tudo faz parte de uma economia circular: do berço ao berço. Dessa forma, no sistema de produção “Cradle to Cradle”, os materiais orgânicos e sintéticos são nutrientes saudáveis que circulam continuamente em metabolismos industriais, biológicos e técnicos.

Assim, o desafio agora passa a ser como aplicar esses princípios, cunhados em quase quatro bilhões de anos pela natureza, aos sistemas humanos. Com eles, podemos finalmente usar nossos recursos mais infinitos –a criatividade e a inovação– a favor de uma mudança positiva e benéfica para as pessoas e para o ecossistema como um todo.

Há diversas iniciativas pelo mundo, e mesmo no Brasil, as quais podemos aprender, adaptar e aprimorar para assim reformular as estratégias de desenvolvimento e para incentivar a inovação sob o paradigma de se maximizar impactos economicamente, socialmente e ambientalmente positivos.

Na Europa, há casos de governos que estão atuando fortemente sob essa nova visão. Outras iniciativas ícones são: a Ellen Macarthur Foundation, que congrega empresas e centros de pesquisa que são gigantes mundiais; o Fórum Econômico Mundial, que já persegue a adoção de práticas em cadeias produtivas globais; o Instituto de Inovação de Produtos Cradle to Cradle, na Califórnia, que oferece um sistema de certificação de produtos e de processos industriais.

No Brasil, há a consultoria Epea Brasil, que atua em estratégias de inovação para organizações que querem aplicar esses conceitos na prática. O mais importante é que, para países como o Brasil, um novo modelo de desenvolvimento deve permitir a geração de benefícios sociais.

No último ano, um trabalho –que realizei em parceria com a ONG Tearfund e com o NuReS (Núcleo de Redes de Suprimentos) da Universidade Federal de Santa Catarina– trouxe à luz as enormes oportunidades dentro da economia circular, para o desenvolvimento social no Brasil, juntamente com ganhos econômicos e ambientais.

Sobretudo, há evidências expressivas de que o país encontra-se no momento para pular direto à economia circular, com a introdução da política nacional de resíduos sólidos –em especial ao promover as relações e a formação de cadeias produtivas regionais, a integração produtiva entre indústrias e negócios na base da pirâmide e atividades econômicas formais e informais e ainda permitindo a combinação entre sistemas produtivos e infraestruturas rurais e urbanas.

O paradigma da economia circular e o conceito “Cradle to Cradle” formam uma plataforma de diálogo que permite repensar materiais, produtos e sistemas inteiros. Na prática, essa plataforma coloca as áreas de gestão, de marketing e de produção para conversarem fluentemente. Ela também permite que os setores públicos e privados encontrem a coordenação necessária para promover um caminho de inovação e para superar o falso dilema atual de “crescer ou destruir”. Há muito trabalho a fazer, mas agora temos um plano a seguir.

Cradle to Cradle® é uma marca registrada pela MBDC.

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