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Novo Código de Processo Civil contribui para melhoramento ético

Especial para o UOL

21/08/2016 06h00

Os sujeitos de um processo judicial têm características próprias, estando cada um deles atento às finalidades de sua atuação no litígio submetido ao Poder Judiciário.

Dessa forma: o advogado será ético, mas parcial, assim levando ao processo versões fáticas e proposições jurídicas que interessarem ao cliente; o promotor de justiça vigiará os interesses que justificaram sua intervenção no processo, como é o caso de conflitos que envolvam menores ou incapazes; o juiz observará a imparcialidade, devendo analisar de forma equidistante todas as versões para proferir a decisão; as partes –aquelas que manifestam seus pleitos à Justiça– depositam todas as suas esperanças no processo, até porque foram incapazes de resolver amigavelmente o conflito.

Porém, não é surpresa para ninguém a existência de advogados que estimulam os conflitos. Da mesma forma, há casos em que os promotores de justiça ignoram suas responsabilidades e deixam de defender o interesse público, apegando-se a objetivos menos nobres. Existem juízes que, por simpatia com a parte ou com o advogado, proferem decisões ou conduzem o processo de maneira parcial. E há partes que, além de incapazes de resolver extrajudicialmente a querela, vão a juízo apenas por espírito de vingança ou provocação. Tais situações são exceções, mas existem.

À vista disso, o novo Código de Processo Civil (lei 13.105/15), ao menos no plano teórico e abstrato, contribui para o aperfeiçoamento ético dos sujeitos no processo judicial. A começar pela adoção expressa de princípios como os da boa-fé processual, dos que impõem isonomia entre as partes e os de cooperação entre os sujeitos do processo, dentre outros tantos.

Perpassando os limites principiológicos, o novo Código tratou de exigir que o juiz se aproxime das partes e dos advogados para que esclareça, sem armadilhas, quais fatos serão trazidos ao campo probatório e, da mesma forma, quais fundamentos jurídicos serão reputados como relevantes para a decisão. Tudo claro e sem surpresas, até mesmo porque o Código exige que as decisões sejam efetivamente fundamentadas, sem a aplicação de manifestações padronizadas e que sirvam para qualquer caso.

As relações entre os sujeitos do processo –ou seja, seres humanos comunicativos– criam amizades, simpatias e antipatias. Porém, o código traçou limites objetivos e subjetivos quando encarou tais relações em face do processo judicial. Nessa linha de raciocínio, o juiz será literalmente impedido de julgar o processo em que figure como parte o cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente de até terceiro grau, mesmo que naquele caso específico esteja representado por outro advogado do escritório.

Por sua vez, o perito a ser nomeado –tendo sido observando o critério da equitatividade pelo juiz– não precisará ter em seu currículo uma filiação ilustre, devendo apenas estar legalmente habilitado e constar no cadastro público.

Já os advogados terão que trabalhar não pela protelação do processo, mas pela conciliação –agora, com o auxílio da chamada mediação.

Com efeito, o legislador repugnará o louvor às formalidades e às nulidades desnecessárias. Eis o porquê da adoção do chamado “princípio da primazia do mérito”, segundo o qual se deve aproveitar ao máximo os atos já praticados. Aliás, isso faz todo sentido, pois a paz social não se obtém apenas com a conciliação, mas com a definição do juízo sobre o mérito em discussão.

A eternização dos conflitos judiciais –sobretudo com os desnecessários debates sobre solenidades e formas– traz insegurança aos litigantes e àqueles que estão ao seu redor, além de acarretar perda de credibilidade do Estado-Juiz. O diálogo entre os sujeitos do processo é o ponto forte do novo Código.

Seguindo a linha de exemplificação, o advogado terá que se comunicar mais com os clientes, pois, sob pena de multa, mesmo as intimações para o cumprimento de obrigações pessoais ocorrerão na pessoa do profissional da advocacia. Aliás, o advogado será responsável por comunicar às testemunhas de seu cliente o comparecimento à audiência.

Tudo está a revelar que o legislador quer um processo mais dinâmico e que se mova pelo paradigma da confiança, mesmo que haja um latente conflito entre os litigantes.

Não é por outra razão que o art. 6º do novo Código Processual, quase que de forma poética, estabeleceu que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”. Mais adiante, de forma mais pragmática, o legislador adverte que o juiz, o advogado público, o promotor de justiça e o defensor público responderão civilmente quando, no exercício de suas funções, agirem com dolo ou fraude.

Demais disso, o art. 235 estabelece a imposição de sanções administrativas ao juiz que extrapolar os prazos, sendo que, se a inércia for mantida, os autos do processo serão remetidos ao seu substituto legal para que, em última análise, os jurisdicionados não fiquem com os prejuízos. Entretanto, a pergunta que fica é: teremos mesmo justiça célere, isenta e de qualidade?

Mudança de valores

Penso que, se quisermos –todos nós, os sujeitos do processo– alcançar esse referencial, o caminho estará na mudança de mentalidade. Se os impulsos e sanções previstos no Código não se alinharem a uma mudança de valores, o resultado positivo será meramente ilusório.

Ora, de nada adianta a decantada primazia do mérito se aqueles que atuarão tecnicamente nos processos não se qualificarem. Já que os sujeitos do processo terão que dialogar abertamente, é preciso que tenham conteúdo. Daí, surgem três medidas urgentes: diminuição do número de faculdades de Direito desqualificadas e mercantilizadas; melhora na qualidade do exame da OAB; imposição de obrigatória qualificação permanente aos que exercem cargos públicos nas carreiras jurídicas.

De nada adianta a provocação legal à conciliação se os advogados não compreenderem que devem estar sempre equilibrados e em busca da paz social. A parcialidade do advogado pode sim fazê-lo aguerrido, mas nunca levá-lo a perder o foco.

No mesmo sentido, é inviável a tentativa de conciliação se juízes ou promotores lançarem manifestações agressivas nos autos em detrimento de algum dos litigantes ou de seus patronos. Aliás, a caneta do juiz pode até ser pesada, mas deve ser técnica e sempre atenta ao princípio da dignidade humana.

O avanço passa também pela mudança de postura das próprias partes. Sim, o litigante deve ir à Justiça para pedir o razoável, mas nunca o absurdo. Também não deve buscar a vitória a qualquer preço, pois o que mais se precisa no país, no momento atual, é de resultados pacificadores e definitivos, não de soluções meramente formais e que, no fundo, causem desconfianças e descréditos.

Ao reverso disso e estimulados pelas provocações do novo Código Processual, os atores dos processos judiciais devem compreender o outro, agir sempre dentro do razoável e com considerações técnicas e bem-elaboradas.

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