Combate à corrupção não deve minimizar garantias de defesa
O Projeto de Lei 4850/2016 de autoria do ilustre deputado Antonio Carlos Mendes Thame (PV-SP) estabelece medidas contra a corrupção e demais crimes contra o patrimônio público e pretende combater o enriquecimento ilícito de agentes públicos.
O projeto contém 67 artigos. Ao verificar sua justificativa, afirma o deputado que o projeto é o resultado do trabalho conjunto do Ministério Público Federal e a sociedade civil. O texto é bastante ambicioso e altera boa parte do código penal e processual penal, a lei de crimes hediondos, a lei de improbidade administrativa além de criar outras modalidades de combate a ilícitos e enriquecimento ilícito.
Não seria possível comentar todas as medidas do projeto. Centremo-nos apenas em uma delas. A inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, que é garantia constitucional (artigo 5º LVI da CF).
Diz o projeto em sua justificativa que o Brasil importou a regra dos EUA, ampliando-a indiscriminadamente e aleatoriamente para além do processo penal. Afirma ainda a justificativa que o sistema brasileiro é disfuncional, subjetivo e inseguro, resultando daí também a impunidade. Sustenta a necessidade de criarem-se excludentes de ilicitude da prova.
Em primeiro lugar, chamamos a atenção para o óbvio. Regra constitucional somente pode ser alterada pelos mecanismos previstos na própria Constituição, ou seja, a emenda à Constituição.
Segundo ponto: há respeitável corrente doutrinária que aloca todo o artigo 5º da Carta como cláusula pétrea, não podendo inclusive sofrer emendas ou supressões no que seja fundamental.
Terceiro ponto: não se interpreta a Constituição e seus conteúdos com pretendidas alterações legislativas.
Quarto ponto: embora a verdade seja um objetivo importante a ser buscado no processo, não se trata de um fim a ser buscado a qualquer preço.
Como lembrava o professor José Frederico Marques, "inadmissível é, na justiça penal, a adoção do princípio de que os fins justificam os meios, para assim legitimar-se a procura da verdade através de qualquer fonte probatória". Nas democracias mais sedimentadas, as provas obtidas direta ou indiretamente por meio de violência aos direitos e liberdades fundamentais são inadmissíveis.
Outro ponto a merecer grande preocupação está na redação do §2º do artigo 157 (modificado do Código de Processo Penal). "Exclui-se a ilicitude da prova quando: III- o agente público houver obtido a prova de boa-fé ou por erro escusável, assim entendida a existência ou inexistência de circunstância ou fato que o levou a crer que a diligência estava legalmente amparada".
O texto, além de extremamente vago, abre uma grande oportunidade para abusos que conhecemos, e lamentavelmente praticamos, sobretudo no período dos anos de chumbo (mas não só). Será possível acreditar que o conceito não será utilizado toda vez que desejar-se forjar uma situação em prol do poder investigatório estatal?
O combate à corrupção é medida necessária. Melhorar e aperfeiçoar os mecanismos e o aparato para sua prevenção, detecção e punição é um dever do Estado e da sociedade. No entanto as garantias tradicionais de defesa do ser humano não devem ser minimizadas em nenhuma circunstância.
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