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Parques nacionais são a única garantia de preservação do Cerrado

Bob Paulino/UOL
Imagem: Bob Paulino/UOL

Especial para o UOL

11/09/2016 06h00

O Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros foi criado na década de 1960, em Goiás, mas sua extensão ainda é pauta de discussão nos governos estadual e nacional e, pelo visto, a conversa ainda está longe de ser resolvida. Inicialmente criado com 625 mil hectares, atualmente o parque não passa de meros 65 mil hectares. Em 2001, o foi ampliado novamente para 235 mil hectares e entrou para a lista de Sítios do Patrimônio Natural da Humanidade, da Unesco. No entanto, o decreto foi suspenso dois anos depois, o que fez a área retornar para os 10% do tamanho inicial.

Grande parte dos problemas atuais reside na questão fundiária das terras localizadas nos limites de ampliação propostos. Aparentemente, diversos proprietários não possuem titulação definitiva da terra e o governo de Goiás, que inicialmente encaminhou carta apoiando a ampliação, retirou o apoio. Já no início de setembro, pediu mais 180 dias de prazo para resolver a titulação das propriedades rurais –as quais, em sua maioria, são posses. No caso de posses, se o decreto for assinado, não há indenização da terra, apenas das benfeitorias, criando um clima de descontentamento e enfrentamento a qualquer proposta de criação de unidade de conservação de proteção integral na região. Por outro lado, muita coisa pode acontecer em 180 dias, incluindo a inviabilização política da ampliação do parque.

Os membros do comitê brasileiro da União Internacional para Conservação da Natureza (UICN) e outras entidades brasileiras que participaram do Congresso Mundial de Conservação 2016, no Havaí (EUA), se manifestaram a favor da expansão, em um manifesto. Eles exigem que o presidente Michel Temer assine imediatamente o projeto de expansão do parque para 242 mil hectares. O processo foi realizado de acordo com todos os ritos previstos em lei e já passou pelo crivo jurídico da Casa Civil, o que apoia o pedido.

O problema das negociações é sempre o quanto as propostas iniciais são modificadas e, em alguns casos, mutiladas. Um dos principais sistemas ecológicos da região é a bacia do Rio das Pedras. Essa bacia, inclusive, sempre foi utilizada como um dos balizadores dos limites de ampliação do parque, constantes nas propostas anteriores –incluindo a de ampliação, assinada em 2001 e que caiu em 2002 com decisão colegiada do Superior Tribunal Federal.

Propor limites de unidades de conservação com base em limites baseados em bacias hidrográficas sempre são superiores às propostas baseadas na lógica fundiária, nas quais os limites de terra quase sempre estão localizados no talvegue (a linha de maior profundidade de um rio) dos cursos de água. Desta forma, sempre há o risco de que uma margem do rio fique protegida, e a outra não.

Um dos problemas atuais do limite proposto é a remoção de propriedades localizadas à margem esquerda do rio das Pedras, em áreas próximas às cabeceiras, onde existem projetos de criação de peixes. A manutenção dessa atividade nos limites do parque será sempre um grande problema de manejo, visto o risco real de contaminação biológica do rio das Pedras por espécies de peixes invasores que eventualmente escapem dos tanques de piscicultura durante eventos de cheias ou de limpeza dos tanques.

Vale a pena lembrar que no rio das Pedras existe uma população de pato-mergulhão (Mergus octosetaceus), uma das aves mais raras do planeta, que depende da qualidade da água de rios de médio porte em ambientes encachoeirados e que baseia sua dieta em peixes. 

Não resta dúvida que a ampliação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros é a principal política de conservação do Cerrado atualmente em foco. A região da Chapada, além de conservar uma diversidade expressiva do bioma, inclui diversas espécies restritas à formação geológica conhecida como Chapada dos Veadeiros, que é muito maior que o próprio Parque. Na verdade, o tamanho atual do parque pode ser considerado ineficiente para conservar essa biodiversidade e para garantir o crescimento das atividades ecoturísticas na região e que mudaram e economia local.

O que assusta é perceber o quanto a conservação da biodiversidade foi importante para a região e como existe conflito contra o aumento das garantias de proteção desta biodiversidade justamente por quem mais se beneficia dela. É um paradoxo que apenas os interesses econômicos no uso da terra podem explicar.

Existem na região interesses na construção de projetos hidrelétricos, no uso de agrotóxicos de alto risco químico e ambiental, usando pulverização aérea (que espalha veneno para todos os lados), interesses no plantio de monoculturas baseadas em clones transgênicos irrigados em pivôs centrais com forte uso de água, onde a Área Ambiental do Pouso Alto é um fraco filtro ambiental para tal pressão. Embora algumas dessas atividades tenham sido barradas no entorno do parque, como as centrais elétricas, é apenas questão de tempo para que tais propostas pressionem novamente a região. A única garantia real de conservação do Cerrado é a proteção que os Parques Nacionais garantem. 

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