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Falta combinar com os russos o que será da Síria após o cessar-fogo

Alexei Druzhinin, RIA-Novosti, Kremlin Pool Photo/AP
Imagem: Alexei Druzhinin, RIA-Novosti, Kremlin Pool Photo/AP

Especial para o UOL

16/09/2016 06h00

A célebre pergunta que o genial Garrincha teria feito ao técnico Vicente Feola, às vésperas do jogo da Seleção Brasileira contra a União Soviética, na Copa do Mundo de 1958, sobre se havia combinado com os russos tudo o que ensaiara no treino, ganha agora uma nova versão, nos entendimentos sobre o cessar-fogo na Síria. Washington e Moscou celebraram um acordo aparentemente histórico para pôr fim às hostilidades no sofrido país árabe. Contudo, teria o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, consultado a fundo o seu colega russo, Vladimir Putin?

A pergunta é pertinente, pois é preciso saber como irão levar a questão a bom termo, após vencida a difícil etapa de parar as hostilidades. Os primeiros passos são de óbvio consenso: separar as tropas do ditador Bashar al-Assad e as milícias opositoras de tendência moderada, protagonistas iniciais do conflito, e frear os combatentes do Estado Islâmico (EI) e da Frente Al Nusra, ligada à Al Qaeda, ambos jihadistas radicais e classificados como grupos terroristas no contexto internacional.

A primeira dessas duas missões consensuais é diplomática, envolvendo negociações entre governo e oposição armada. A segunda é militar, pois EI e Al Nusra seguirão ignorando o entendimento e o diálogo e somente sairão da Síria após irreversível derrota militar. Nessa etapa bélica, como norte-americanos e russos farão? Lutarão com tropas próprias ou seguirão com os bombardeios de drones, orientação e apoio técnico?

Digamos que as duas etapas anteriores sejam cumpridas com sucesso, que governo e rebeldes moderados comportem-se e que os jihadistas sejam derrotados e saiam de cena (o que exigirá duros combates, inclusive no enfrentamento de grupos de guerrilha urbana). Que Síria emergirá desse hipotético cenário? Será exatamente o país de alguns anos atrás, quando começou a guerra civil: de um lado, um governo ditatorial e, de outro, uma oposição armada e ainda disposta a fazer a revolução. Eis aí a pergunta que provavelmente Obama ainda não fez a Putin: qual será, então, a posição da Rússia? Deixará de apoiar seu antigo aliado sírio para costurar um novo arranjo do poder na Síria?

Com certeza, tal detalhe não foi combinado com os russos, o que confere instigante atualidade à sábia questão colocada pelo inesquecível Garrincha. O pior é que, sem o aval de Moscou sobre o futuro político de Damasco, o acordo recém-celebrado é para inglês ver. Aliás, não só os britânicos, mas todos os aliados dos Estados Unidos e da Rússia, cada vez mais suscetíveis às ameaças do terrorismo, cujo epicentro global encontra-se hoje no teatro de operações do conflito sírio e no Iraque. Não é sem razão que o acordo siga despertando o ceticismo dos europeus.

Em tempo: Garrincha tinha razão. Em 1958, a poderosa seleção da União Soviética fez tudo diferente em campo do que imaginara o treinador Vicente Feola. Ganhamos por 2 a 0, graças à imensa criatividade e capacidade de improviso de nossos craques, virtudes nas quais os políticos de todo o mundo perdem de goleada para aquele fantástico time brasileiro.

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