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Lições da revolução na Tunísia: como liderar em meio a turbulência

Robert Michael/AFP
Imagem: Robert Michael/AFP

Especial para o UOL

18/09/2016 06h00

O que você faria se lhe oferecessem um novo emprego do qual você seria demitido após um ano, mas não poderia pedir demissão nesse período? Que você receberia migalhas de pagamento e seria assediado pela imprensa constantemente? Sem poder reclamar. Provavelmente você diria “não, obrigado”, certo?

Eu acabei aceitando a oferta e descobri o que realmente significa liderar em um ambiente de alta turbulência. Eu era reitor de uma escola de negócios, em Paris, e presidente do Conselho de Administração da maior operadora de telefonia móvel da Tunísia quando a Primavera Árabe eclodiu, virando de cabeça para baixo a já conturbada região do Oriente Médio e norte da África.

Era um momento de esperanças na região, e, particularmente, na Tunísia. O mais surpreendente foi o fato de que a juventude desorganizada, a população empobrecida e o Facebook tiveram papel importante em tirar do poder o ditador Ben Ali.

Esse era o contexto quando, no Natal de 2013, o então primeiro-ministro designado, Mehdi Jomaa, me ofereceu a já mencionada e não lucrativa oportunidade. Fui chamado para ocupar o cargo de ministro de Educação Superior, Pesquisa Científica, Informação e Comunicação. Como eu poderia recusar?

Eu tentei. Minha família foi contra e era arriscado. Eu não queria recusar essa honra por telefone, então, viajei de Paris até Túnis para encontrar Jomaa. Quando lá cheguei, ele destacou que eu nunca tinha prestado o serviço militar obrigatório e que era a hora de pagar minhas dívidas com o meu país. Era o início. Mais tarde, me tornaria o primeiro ministro que ele contratou para o seu governo e um colaborador próximo em sua equipe principal.

Turbulência

Com os dois assassinatos políticos ocorridos na Tunísia em 2013 (uma das razões para que o nosso governo assumisse), a nossa equipe sabia que trabalharia em um ambiente de turbulência extremamente alta. Fomos confrontados com a ameaça de sermos tomados como reféns e multidões hostis que muitas vezes esperaram por nós do lado de fora.

Mas, apesar de todas as dificuldades, essa foi uma experiência única! E aqui estão as cinco lições que aprendi sobre liderança em um ambiente de alta turbulência:

1. Montar uma equipe com uma nova perspectiva - Ao formar o governo de transição, o primeiro-ministro Jomaa não reuniu os suspeitos usuais da cena política tunisiana. Ele juntou as melhores pessoas dos mais diversos locais para os cargos, levando de volta ao país, conterrâneos que estavam nos Estados Unidos, Brasil, França, Suíça, Reino Unido e outros lugares. Ele escolheu pessoas que sabia ter as habilidades para o trabalho e, principalmente, buscou líderes experientes que tinham tido uma perspectiva externa sem conexões com o velho regime.

2. Construir redes - Para executar tarefas monumentais no curto prazo que nos foi dado, tivemos que criar uma estrutura de rede. Era importante que houvesse uma colaboração entre todos os ministérios e hierarquias para avançarmos. Nós aproveitamos o conhecimento local e experiência de ministros como uma base para a colaboração mútua. Para o primeiro-ministro, isso também significava que ele deveria capacitar sua equipe para tomar decisões de forma autônoma.

3. Separar a equipe de transformação ou inovação da parte tradicional da organização - Nós montamos, intencionalmente, nosso “laboratório” físico no lado oposto de Túnis, longe da sede principal do governo. Grandes problemas precisam de grandes soluções e você não pode ter grandes ideias quando está atolado com e-mails e questões do dia a dia. Nosso trabalho era avançar com ideias inovadoras para levar nosso país adiante e para isso precisávamos de espaço para pensar e ser criativo.

4. Crie laços para reforçar a confiança - Não há como levar um país inteiro a um novo começo se você não confia, respeita e tem confiança em sua equipe. Para reforçar o nosso trabalho em equipe, nós saíamos do escritório e fazíamos atividades de grupo ao ar livre. Nós nos conhecemos uns aos outros durante o fim de semana em encontros sociais ou para jogar futebol juntos. Tudo isso nos ajudou a estar na mesma página e ter fé que poderíamos ter sucesso juntos.

5. Reconheça as oportunidades e defina prioridades - É preciso ter foco. Tornamos prioridade a definição de instituições de Estado como o descrito na Constituição, para preparar o terreno para as eleições parlamentares e presidenciais justas e internacionalmente reconhecidas antes do final do nosso mandato, criar um ambiente favorável ao investimento e para resolver os conflitos políticos em curso. A situação era terrível. Um senso de urgência pode ajudar os líderes a atingir metas. Nós não poderíamos trabalhar em questões que não eram da importância mais urgente.

Então, tivemos sucesso? Colocamos o país em um caminho econômico melhor. Lideramos a luta contra o terrorismo, redefinimos o sistema de educação superior, formulamos um plano estratégico de 5 anos para uma “Tunísia Digital”. Eu diria que, em geral, nós aproveitamos a tecnologia para levar o país para o futuro.

Infelizmente hoje a Tunísia enfrenta uma ameaça terrorista sem precedentes após três ataques em 2015. Devido a isso, o turismo, um dos maiores geradores de renda do país, caiu, deixando-o economicamente enfraquecido. Mas os negócios também são assim. Sucesso em um ano, ou mesmo em uma semana, não garantem vitórias no futuro.

Portanto, líderes de todos os tipos de organizações precisam se preparar, mentalmente e de outras formas, para enfrentar alta turbulência. Você tem o que é necessário para liderar em alta turbulência?

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