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Fim da guerra fiscal pode lesar empresas que aderiram a benefícios

Especial para o UOL

27/09/2016 06h00

Após a posse da ministra Cármen Lúcia na presidência do STF (Supremo Tribunal Federal), há um indicativo muito forte de que a proposta que discute a edição da súmula vinculante nº 69, que tenta acabar com a guerra fiscal, deve ser colocada em pauta em breve, haja vista que a presidente já anunciou essa intenção.

O teor inicial dessa súmula traz a seguinte redação: "Qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou de base de cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em convênio celebrado no âmbito do Confaz".

Esta súmula vem convalidar e reafirmar o que dispõe o atual sistema de benefícios do ICMS trazido na Lei Complementar nº 24/75 que dispõe, no artigo 1º: ”As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta lei”.

Vemos então que a súmula quer trazer a hermenêutica mais harmônica em relação a literalidade do que dispõe a lei complementar que regula essa matéria nesse assunto.

Aparentemente, isso resolveria o problema da guerra fiscal. Ocorre que será necessário aguardar também para ver se haverá alguma modulação dos efeitos dessa súmula, se esta vier a ser aprovada.

Aliás, é nesse ponto que podem surgir problemas, porque a aplicação desse dispositivo ao caso concreto, a meu ver, somente poderia acontecer para fatos futuros, e não retroagir aos já existentes.

Tal retrocesso pode significar uma ofensa à segurança jurídica de todo nosso ordenamento, já que não pode o contribuinte ser penalizado por ter obedecido a uma norma válida e eficaz como é a legislação que concedeu os benefícios fiscais originalmente.

Caso isso aconteça, as empresas que aderiram aos benefícios fiscais de boa-fé serão as maiores prejudicadas em virtude de uma batalha que parece ser muito mais política do que jurídica.

Nesse diapasão, cumpre destacar que a lei 9.868/99, que regula o processo de julgamento e o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade, tratou de estabelecer que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade e assim dispôs: Art. 27 – “Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”.

Assim, por analogia e por lógica, fica evidente que o STF, ao sumular sobre uma determinada matéria, deve respeitar os fatos ocorridos anteriormente à edição da súmula que, se editada, poderá surtir efeitos futuros importantíssimos para o fim da guerra fiscal.

Porém, se optarem por atingir os benefícios fiscais já existentes, será necessário conceder um prazo bastante razoável para que as empresas tenham tempo de adaptar toda a sua operação, sob diversos aspectos (financeira, fiscal, logística, trabalhista, societária).

Diante deste cenário, percebemos que a edição da súmula, a priori, tem em seu escopo uma eficiente ferramenta para acabar com a guerra fiscal, entretanto, ao balizarmos esta medida dentro de princípios fundamentais do direito, essa acaba por perder bastante os seus efeitos.

Desta forma, é necessário aguardar um posicionamento do STF até que este decida principalmente acerca dos efeitos da Súmula Vinculante nº 69.

 

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