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Ranking do Enem não determina as 'melhores escolas do Brasil'

Especial para o UOL

18/11/2016 06h00

Coincidem com o final do ano três eventos cruciais para as escolas, as famílias e os estudantes: os resultados do Enem, os vestibulares e o período de matrículas escolares. Período propício para se analisar uma interessante metáfora para a compreensão do momento e dos indivíduos atrelados a esses eventos e suas consequências.

Os gêmeos –na mitologia, na religião e na literatura– metaforizam a complexidade humana e os mistérios que nos fazem ser tão parecidos e, ao mesmo tempo, tão diferentes. A relação entre os gêmeos rendeu histórias de solidariedade e confronto, além de servir de inspiração para discussões sobre educação, valores e individualidade.

Da mitologia grega, com Castor e Pólux, à Bíblia Sagrada, com Esaú e Jacó, e da literatura do século 19, com Esaú e Jacó de Machado de Assis, à literatura contemporânea, com Omar e Yaqub de Milton Hatoum, temos um interessante material para refletir sobre a educação de jovens e seus projetos de vida.

Sendo assim, será que há uma escola ideal, que possa satisfazer tanto aos anseios de gêmeos solidários e academicamente brilhantes como aos de gêmeos conflitantes e academicamente díspares? Será que uma só escola seria capaz de oferecer educação e formação de qualidade a pessoas com projetos de vida semelhantes e potenciais de realização distintos, ou o inverso?

O mito do Enem

Para compreender essas questões, teremos de fazer reflexões a respeito de outro mito: o ranking do Enem, que afirma que as instituições mais bem colocadas são as “melhores escolas do Brasil”.

Fernando Pessoa nos alerta de que “o mito é o nada que é tudo”, verso interessante para explicar que o mito não existe de fato, mas que, como obra ficcional, tem autonomia e é capaz de existir fora da ficção. Nesse caso, tomemos com cautela a ideia de “mito do ranking”, para que também não invalidemos uma avaliação séria como é a do Enem, além do trabalho consistente daquelas escolas que há anos figuram entre as mais bem colocadas.

Evidentemente, as escolas que pontuam bem –em sua maioria, privadas– fazem um trabalho bastante sério e obtêm resultados expressivos. Trabalham com um alto nível de exigência acadêmica; contam com excelentes instalações, com um corpo docente altamente qualificado e bem remunerado; possuem alunos selecionados por um rigoroso processo de admissão e de filtragem de resultados. Tal combinação tende a render resultados excelentes nas provas do Enem e dos vestibulares.

No entanto, supor que uma escola é melhor do que a outra tendo como base apenas o resultado acadêmico é dar asas ao mito. É muito comum observar alunos com alta performance acadêmica, mas suscetíveis à pressão ou com fragilidade emocional. Também não é incomum que um aluno obtenha ótima nota em uma redação sobre os direitos das mulheres, mas seja machista.

Claro que essas escolas não trabalham exclusivamente para obter bons resultados. Elas também estimulam as vidas cultural e social e se empenham em oferecer uma formação ampla. Porém, não é mentira que elas, vez ou outra, acabam abrindo mão de um determinado tipo de aluno –sem o “perfil” para estudar nessas escolas– ou então de atividades esportivas e de vivência social que “roubam” o tempo de aula.

Por outro lado, também há escolas que, ainda que não desprezem a pontuação obtida, não contemplam em seus projetos pedagógicos a valorização do Enem. Também com boas instalações, academicamente exigentes, corpo docente qualificado etc., essas escolas não selecionam seus alunos considerando apenas seus potenciais acadêmicos nem convidam os menos aptos a mudarem de escola.

O que as diferencia é a proposta de uma educação holística, em que se estimula o contato de alunos com potenciais distintos –de alunos com excelentes notas junto daqueles com desempenhos medianos ou dos que têm necessidades inclusivas. São escolas tão sérias quanto as que estão em uma colocação superior, mas com projetos diferentes. Trabalhar com alunos de desempenhos medianos ou com necessidades educativas especiais e dar a eles condições para enfrentarem bem concursos externos é tão importante quanto um trabalho que aumente a performance de alunos de alto rendimento.

A escola dos gêmeos

É possível dizer qual seria a melhor escola? Evidentemente que não, já que não há outra avaliação que não as acadêmicas. Apenas há um olhar sobre o rendimento do aluno em provas externas, sem que exista uma pesquisa que analise o seu comportamento social, a sua capacidade de ser civilizado, solidário e altruísta e de não se envolver em atos ilícitos, discriminatórios e violentos.

Temos exemplos de trotes violentos em universidades concorridas, e há relatos de casos de violência sexual ou de manifestações de racismo e homofobia que envolvem alunos oriundos de competitivas escolas particulares. No entanto, também há manifestações de civismo e convívio responsável, de projetos solidários, voluntariado e de relação social republicana.

É possível avaliar a escola a partir do comportamento desses ex-alunos? É um bom método para analisar se uma escola é efetivamente boa? Será que as universidades se interessam em saber como esses jovens chegam ao mundo adulto?

Escolher uma boa escola para os gêmeos –sejam ficcionais ou reais–, respeitando suas necessidades e capacidades, não é fácil. Sendo assim, boas formas de aferir e escolher uma boa escola são: conversar com alunos, ex-alunos e suas respectivas famílias; visitar as instalações; entrevistar orientadores e coordenadores; avaliar o material pedagógico, os estudos do meio, os eventos culturais e esportivos e relações sociais; ponderar o desempenho em avaliações externas; observar como a escola trata questões disciplinares e éticas; trocar impressões com os filhos. Talvez a conclusão a que se chegue é a de que a cada filho, ou fase de sua vida, cabe uma escola distinta.

E se ainda cabem duas dicas, as dou de graça: estimular o filho a não ter medo de mudar o projeto de vida e, consequentemente, de escola e ler “Dois Irmãos” de Hatoum. Na obra, os gêmeos Omar e Yaqub são reflexos das formações familiar e escolar que tiveram e de suas próprias deliberações. Em qual escola matriculariam os personagens do livro para que, talvez, pudessem se transformar em adultos distintos do que foram?

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